“O tribunal tem de estar ciente das dificuldades da luta contra o terrorismo”

Países como a Rússia aprovaram leis que permitem escolher que sentenças do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem irão acatar, diz o seu presidente, Guido Raimondi.

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“Há dificuldades no cumprimento de algumas sentenças, o que não é bom” Clara Barata, Tiago Luz Pedro, Ana Henriques, Sibila Lind

Países como o Reino Unido e a Rússia nem sempre cumprem as decisões do tribunal e falam mesmo em sair da Convenção dos Direitos Humanos. Não há risco de o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) se tornar inútil?
Theresa May disse isso antes de se tornar primeira-ministra do Reino Unido, mas anunciou que mudou de posição por não ter maioria parlamentar para sair da convenção. Isso é o que sei [têm saído desde então notícias contraditórias na imprensa britânica sobre planos do Governo para suspender partes da convenção se participar em futuras guerras, para evitar processos de vítimas]. O Governo tem planos para substituir o Human Rights Act, que integra a convenção na legislação britânica, por uma nova lei. Não tenho problemas com isso.

É absolutamente verdade que há dificuldades no cumprimento de algumas decisões do tribunal, o que não é bom. Mas 95% das decisões são postas em prática. Se a sentença implicar alterações legislativas ou constitucionais, é o organismo político do Conselho da Europa, o Comité de Ministros [dos Negócios Estrangeiros] que monitoriza a sua aplicação.

As dificuldades estão nas decisões que são politicamente sensíveis. O artigo 45.º da Convenção é muito claro: é obrigatório cumprir as decisões do tribunal.

No fim do ano passado a Rússia aprovou uma lei que dá ao Governo o direito de pedir ao Tribunal Constitucional que diga se as decisões de um julgamento internacional estão de acordo com a lei fundamental russa. A primeira aplicação da lei foi num caso de direito de voto de prisioneiros – que a Constituição nega. Mas, ao mesmo tempo que considerou a decisão inconstitucional, o Constitucional russo fez um esforço para indicar um caminho ao Parlamento para integrar a sentença na lei russa. Portanto, também vejo sinais de boa vontade.

Qual é o principal problema de direitos humanos na Europa neste momento?
Em termos quantitativos, a sobrelotação das prisões está espalhada por muitos países, como a Rússia e a Polónia. No Verão passado, recebemos milhares de casos da Hungria e da Roménia, que têm a ver com a crise migratória, porque muitos dos presos na Europa são migrantes.

Isto leva-me a falar dos migrantes. Estamos a viver uma crise sem precedentes, e o TEDH está à espera de uma avalanche, que ainda não começou, porque os casos estão neste momento a correr nos tribunais nacionais. Mas estamos prontos, temos uma jurisprudência sólida.

Se o TEDH acabar por concluir que o acordo da União Europeia com a Turquia para impedir que os refugiados cheguem à Europa viola os direitos humanos, o que acontece?
Este acordo será apreciado pelo tribunal, por isso seria inapropriado pronunciar-me… O que posso dizer é que temos uma jurisprudência clara, não podemos mandar as pessoas de volta para países que não estão conformes aos artigos 1.º e 2.º da Convenção, que protegem o direito à vida e proíbem a tortura e outros tratamentos degradantes.

A crise migratória e os ataques terroristas na Europa levaram vários países e a própria União Europeia a aprovar legislação que colide com direitos fundamentais, como o direito à privacidade. Preocupa-o?
Esse é o tema “Big Brother”. A nossa privacidade está cada vez mais limitada. Em situações de ameaça há sempre margem para medidas que podem reduzir o nosso espaço de liberdade. O tribunal está lá para verificar se não vão além do estritamente necessário.

França foi longe demais no prolongamento do estado de emergência?
O terrorismo não é uma questão nova para o tribunal. É verdade que o mecanismo do estado de emergência, que países como a Ucrânia e a Turquia também usaram recentemente, permite aos Estados derrogarem a convenção. Mas essa derrogação nunca é total, há alguns princípios fundamentais na convenção que estão sempre protegidos, como o direito à vida ou a proibição da tortura. E o tribunal verifica se as medidas são proporcionais aos objectivos que visam proteger.

Há quem defenda que os terroristas devem ser sujeitos a um quadro legal mais severo e punitivo…
Têm os mesmos direitos. E o tribunal protege da mesma forma todos os indivíduos, mesmo os terroristas, se os seus direitos forem violados. É preciso ver que, à luz da convenção, a luta contra o terrorismo não é apenas um direito dos Estados — é uma obrigação. Os artigos 2.º e 3.º dizem isso mesmo, ao implicarem a obrigação dos Estados em garantir a segurança dos seus cidadãos. Acima de tudo, o tribunal tem de estar ciente das dificuldades que os Estados enfrentam hoje na luta contra o terrorismo.

Há diferenças nas queixas que vos chegam de países do Leste europeu e da Europa ocidental?
Há diferenças na dimensão dos atrasos da justiça, que são maiores nos países da Europa Central e do Leste. O que não surpreende, visto que são democracias jovens. E também os há em Itália.

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