Em Porto de Mós a escola torna a “fraqueza da ruralidade uma força”

A terceira escola do país com uma média mais elevada nos exames do secundário está "entre montanhas" no distrito de Leiria. Quem aqui estuda e trabalha assegura que a exigência dos professores e o desejo de ter uma vida melhor são os ingredientes do sucesso.

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Na terceira melhor escola pública do país, das fraquezas fazem-se forças Romana Borja-Santos, Frederico Batista

Quando atende o primeiro telefonema com a notícia de que a Escola Secundária de Porto de Mós é a terceira melhor instituição pública do país, Telma Cruz não consegue esconder a alegria. “Eu sabia, eu sabia que os nossos meninos tinham tido resultados muito bons. Isto é como um euromilhões que nos saiu. Há muitos anos que trabalhamos para este sucesso”, garante Telma Cruz, professora de Matemática nesta escola do distrito de Leiria e também membro da direcção do agrupamento. A docente admite que os rankings são apenas uma das formas de avaliar o que as escolas fazem. Nem sempre justa. Mas insiste que, no caso de Porto de Mós, “uma vila entre montanhas”, esta é uma prova importante de que a ruralidade pode afinal ser um ponto a favor dos alunos.

“O resultado foi uma surpresa enorme”, confirma Mariana Nogueira, 17 anos, aluna do 12.º ano. Mas garante que, já antes dos rankings, “sentia que estava numa boa escola”. “Esta escola é a nossa única opção [na zona], mas é exigente a nível dos professores e dá-nos as coisas de que precisamos e procuramos. O facto de nem todas as pessoas terem a mesma condição económica faz com que os alunos criem mais objectivos e queiram ter bons resultados para terem um futuro melhor”, explica a estudante. “O nosso lema educativo é ‘Consigo… fazer mais, fazer melhor’. Consigo no sentido de alcançar e consigo no sentido de contigo”, lembra Telma Cruz.

Alice Paulo, da mesma idade e do mesmo ano de Mariana, concorda que “ambicionar a perspectiva de um futuro melhor motiva para melhores resultados”. Enquanto aluna, atribui muito do sucesso às aulas de apoio e oficinas suplementares que a escola disponibiliza para os alunos, mas também a outras experiências extracurriculares que ajudam a compreender a matéria e a aproximar Porto de Mós dos grandes centros urbanos. Nesta escola os testes ao longo do ano seguem o formato dos exames.

Desejo de superar dificulades

 “Em Português sempre que damos uma obra vamos ver uma peça de teatro e isso ajuda a compreender”, prossegue Alice. “Os miúdos aqui não têm acesso à informação da mesma forma. Nota-se a ruralização, mas os resultados demonstram a curiosidade dos alunos e o desejo de superar dificuldades. Muitas vezes, transformamos a fraqueza da ruralidade numa força”, remata Helena António, professora de Português do 12.º ano, que considera “ainda mais motivador” trabalhar com estes jovens, que “já nem um cineteatro” têm na vila.

O director do Agrupamento de Escolas de Porto de Mós, Rui Almeida, confirma que a exigência e a estabilidade do corpo docente têm permitido fazer um trabalho contínuo com os estudantes e com os pais – muito presentes. Mas não esconde que “a massa humana faz a diferença”. “Estes resultados devem-se sempre à qualidade dos alunos. Há anos com alunos mais interessados, outros menos”, acrescenta. Neste ano o ranking coloca-os como a terceira escola pública do país com notas mais elevadas nos exames do secundário realizados em 2015/2016. Contando com as instituições privadas, estão na 44.ª posição.

Tendo em consideração o contexto socioeconómico bastante desfavorável da vila, as estimativas apontavam para que estes alunos tivessem notas inferiores. Contrariando as expectativas, Porto de Mós ocupa também um lugar cimeiro no chamado “ranking do sucesso”, que avalia a proporção de alunos que conseguem passar no 10.º e no 11.º anos e ter positiva nos exames finais do 12.º. Isto, quando um terço dos alunos do secundário e mais de metade dos do básico frequentam a escola com apoio do Estado devido aos baixos rendimentos das famílias.

Falta de aquecedores

Rui Almeida reconhece que, tendo em consideração as características da população que servem, este é um resultado que merece mesmo ser destacado. “Estamos numa zona rural em que a escolaridade dos encarregados de educação anda em média pelos sete anos”, lembra. Aqui, as dificuldades ainda estão em coisas muito básicas: no Inverno “faltam aquecedores e alguns alunos precisam de trazer mantas”, conta, enquanto circula pela escola, dispersa por vários pavilhões, o que obriga a andar ao ar livre para mudar de sala. A distância de casa à escola é outro problema. Com a falta de transportes, muitos alunos chegam de madrugada e regressam a casa já ao anoitecer.

O director da escola assegura que trabalham focados nos exames, mas sem deixar de “apostar” nos alunos logo desde o primeiro ciclo. “Introduzimos o Inglês no primeiro ciclo antes de ser obrigatório e implementámos o projecto-piloto da disciplina de Programação no primeiro ciclo logo em todas as turmas”, exemplifica. E observa: “Não temos as coisas à porta, mas deslocamo-nos para proporcionar aos alunos oportunidades e compensar a distância a que estamos dos grandes centros.” No ano passado até conseguiram que os alunos representassem o distrito de Leiria na iniciativa Parlamento dos Jovens, organizada pela Assembleia da República.

Adepto das novas tecnologias, o director diz que a escola tem tentado também aproveitar algumas inovações para melhorar o desempenho dos alunos. Como? Os sumários já são electrónicos e pais e alunos podem consultar a informação à distância. Na biblioteca também têm organizado formações relacionadas com a pesquisa de informação fidedigna na Internet, para que possam apresentar trabalhos melhores nas várias disciplinas.

“Temos professores que realmente puxam muito por nós e nem sempre é fácil. Mas no fim sabemos reconhecer que o trabalho é recíproco e que tem repercussões nas avaliações”, acrescenta Gonçalo Ferraria, de 17 anos, colega de Mariana e de Alice. Gonçalo admite que tinha “subestimado” a capacidade da escola. Mas agora, olhando para trás, percebe que têm vários factores que ajudam ao sucesso da escola: “Os professores estão disponíveis até na biblioteca para tirar dúvidas. Há uma exigência muito grande, mas também muita proximidade. Trabalhamos muito em grupo, somos alunos muito unidos.”

Um “grupo para a vida”

Os pais confirmam o “grupo para a vida” que a escola ajuda a formar. Delfina Rosário é mãe de Margarida Rito, que frequentou no último ano lectivo o 12.º ano. Marco Sousa é pai de Sara Sousa, que foi colega de Margarida. A primeira está em Lisboa a tirar Ciências Farmacêuticas, a segunda Gestão de Marketing. Cinco antigas estudantes da Secundária de Porto de Mós partilham a mesma casa em Lisboa neste ano como caloiras. Uma casa que fizeram questão de alugar apenas depois de saberem que nenhuma das cinco tinha ficado de fora da universidade.

“Vivemos numa região que permite educar os filhos no mesmo grupo escolar durante todo o percurso. É um grupo com elos muito fortes. Eram 30 na mesma turma e que se davam sempre muito bem. Há uma competição sã baseada na amizade e transformam-se os objectivos pessoais em objectivos de grupo”, sintetiza Marco Sousa, que tal como Delfina Rosário foi no passado aluno da escola. “Mas eram tempos muito diferentes. Agora os alunos e professores são quase família.”

“O trabalho que se desenvolve nesta casa não me surpreende. Há um corpo docente estável, muito empenho e motivação e essas coisas reflectem-se no trabalho dos alunos. A escola aproxima muito as pessoas e estabelece uma relação muito próxima entre professores, alunos e pais. Quase que sabemos de antemão quem vão ser os professores dos nossos filhos no próximo ano”, completa Delfina, que lembra que até nas aulas de apoio facultativas os pais podem saber se os filhos optaram ou não por comparecer. “Segurança” é a palavra mais usada por esta mãe para se referir àquilo que a escola lhe transmitiu durante os anos em que a filha aqui andou.

Marco Sousa espera que as notícias sobre os resultados nos rankings ajudem a reabilitar as instalações que somam 40 anos e a mudar a forma como o Governo decide onde investe. Ao mesmo tempo, admite que este êxito demonstra que as pessoas pesam mais nos resultados do que as salas modernas. “O que conta são as pessoas e não tanto as instalações. Existe uma política a nível nacional de promover as escolas privadas em detrimento das públicas, pensando-se que as públicas são uns dinossauros da educação. Porto de Mós é a prova de que isso não é assim. Os resultados reflectem as pessoas.”

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