Faltam apoios para autonomização de vítimas de violência doméstica

Estudo questionou responsáveis pelas estruturas e utentes. O pior é quando as mulheres procuram a independência.

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O grande problema parece estar na fase seguinte ao acolhimento, refere Maria das Dores Guerreiro, socióloga que coordenou o projecto Fabio Augusto

Várias instituições da Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica defendem que são necessários mais apoios para que as mulheres se consigam tornar independentes depois de romperem com a situação de violência, disponibilizando-lhes, por exemplo, “apartamentos de autonomização”. São conclusões de um estudo feito no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa/ Instituto Universitário de Lisboa, que é apresentado nesta sexta-feira, nesta instituição, durante o Fórum Pesquisas CIES-Género, Cidadania e Políticas de Igualdade.

As mulheres inquiridas para este estudo, o primeiro que abrange as diferentes valências da rede nacional (gabinetes de atendimento em instituições sociais e casas de abrigo, por exemplo), consideraram que foi muito importante o apoio que lhes foi prestado para terem conseguido interromper a situação de violência no relacionamento que tinham. A grande parte diz ter ido parar à rede depois de denúncias feitas às forças de segurança.

Realizado pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES), e encomendado pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, entidade com a tutela desta área, o trabalho baseia-se em entrevistas telefónicas junto de 45 vítimas (apenas uma delas era homem) e inquéritos a 88 das 165 entidades que integram a rede. Objectivo principal: conhecer o grau de satisfação das utentes com estas estruturas.

A rede inclui casas abrigo (onde se pretende que a permanência ande pelos seis meses), “acolhimento de emergência” (onde as mulheres ficam por períodos mais curtos em situações de perigo) e “estruturas de atendimento” (equipas técnicas que prestam esclarecimentos e encaminham). No geral, as utilizadoras avaliam estas estruturas como “boas” a “muito boas”, destacando “a proximidade da equipa técnica”. Para as vítimas, “a parte humana sobrepõe-se” a eventuais falhas que possam existir, refere Leonor Duarte Castro, umas das investigadoras do estudo.

Já as próprias entidades são mais críticas em relação ao seu funcionamento do que as vítimas, talvez porque as estruturas acabam por funcionar como “uma bóia de salvação”, continua Leonor Duarte Castro. E apontam lacunas. O grande problema parece estar na fase seguinte ao acolhimento, refere Maria das Dores Guerreiro, socióloga que coordenou o projecto. “A dificuldade está na transição. Ficam no limbo. A questão da autonomização profissional e financeira é muito importante.”

O problema do emprego

Há 60 estruturas que dizem  ser “muito necessário” haver apoios económicos para que as vítimas se possam autonomizar, 52 consideram “muito necessária” a oferta de “apartamentos de autonomização”, onde estas possam ir viver depois de saírem das casas-abrigo, muitas delas com os seus filhos. A coordenadora refere que a questão da habitação é essencial como ponto de partida para uma vida independente. “Existe um desnível entre os apoios que recebem e os valores a pagar por uma renda de casa.”

Ao mesmo tempo, como muitas vítimas estão deslocadas da sua zona habitual, por questões de segurança, “têm mais dificuldade em accionar redes de apoios que lhes permitiriam arranjar empregos”, afirma. Entre os aspectos que melhorariam nas estruturas, as mulheres apontam a necessidade de “um maior financiamento para o desenvolvimento de actividades ocupacionais”.

Dores Guerreiro ressalva que os problemas de inserção profissional não são específicos desta população. “Encontramos aqui a réplica dos problemas do país: uma população afectada pelo desemprego, com baixas qualificações.”

Mais de metade (26) não estava a trabalhar no momento da entrevista, mas a estas mulheres acrescenta-se “a fragilização por terem sido vítimas de violência”. Joana Patrício, outra das investigadoras envolvidas neste estudo, explica que há alguns apoios nesta área mas são vistos pelas entidades como insuficientes e delimitados no tempo.

Muitas entidades mencionam ainda a necessidade de ter uma viatura própria, refere Leonor Duarte Castro. A socióloga Maria das Dores Guerreiro nota que “as estruturas de apoio existem a nível distrital, mas podem estar a muitos quilómetros de um caso de violência doméstica”. O ideal seria que houvesse um meio de transporte disponível para que a pessoa possa ir pedir ajuda.

Há também entidades que se deparam com vítimas de violência que não falam nem português nem inglês, nota Maria das Dores Guerreiro. Em 88 entidades são 65 as que referem a necessidade de um serviço de interpretação e tradução para acudirem a vítimas imigrantes.

No ano passado, houve 22.469 participações de violência doméstica feitas a forças de segurança e 941 pessoas (521 mulheres e 420 menores) estiveram em acolhimento de emergência.

Notícia corrigida às 15h59. O nome da investigadora citada é Joana Patrício e não Patrocínio.

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