Notas dos alunos: o que estamos a comparar e como?

Os dados de contexto permitem fazer comparações mais justas entre escolas.

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No ranking do PÚBLICO as escolas estão divididas por três contextos, do mais carenciado ao mais favorecido rui farinha

Filosofia é a disciplina que mais se ressente do efeito socioeconómico. É ela que se apresenta com a maior diferença entre os resultados nos exames do secundário de escolas com contextos mais favorecidos face a outras de contextos mais frágeis. Não é assim este ano apenas. É um padrão que se tem repetido. Nas escolas com um perfil de população menos carenciado a média no exame é positiva (10,57, este ano), nas que estão no grupo oposto, negativa (9,39). A diferença é de 1,18 valores. Mais do que na História (onde a diferença é de 0,71), mais do que na Matemática (0,43), mais ainda do que no Português (apenas 0,18). Resumindo: o contexto socioeconómico parece ter impactos diferentes no desempenho dos alunos conforme as disciplinas que estão em causa. E a Português importa pouco. A Filosofia, um pouco mais.

Para além das notas que cada aluno de cada escola consegue nos exames nacionais do ensino básico e secundário (informação com a qual se faz os rankings tradicionais de escolas), o Ministério da Educação (ME) fornece anualmente um conjunto de outros dados a que chama “dados de contexto”. E é isso que permite ter informações como esta — em que disciplinas o contexto pesa mais —, mas, mais importante, fazer comparações mais justas entre escolas, avaliar, por exemplo, se uma inserida num agrupamento de um contexto socialmente mais carenciado está melhor ou pior do que outras de contexto idêntico, em vez de limitar a análise à comparação dessa escola com todas as outras do país. Como atribuímos às escolas um contexto ou outro? É o que se explicará de seguida.

Entre os indicadores fornecidos pelo ME estão, entre outros: a proporção em cada agrupamento de escolas de alunos que não são abrangidos pela Acção Social Escolar (ou seja, de alunos que não recebem os apoios do Estado destinados aos mais carenciados); a média de anos de escolaridade dos pais e das mães dos alunos de cada agrupamento; a percentagem dos professores do quadro. 

O que o PÚBLICO tem feito nos últimos anos, com a colaboração do Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa, é seleccionar parte desta informação (a que parece ter mais peso na explicação dos resultados) para fazer duas coisas: por um lado, definir três grandes grupos de escolas (conforme tenham indicadores mais ou menos desfavoráveis do ponto de vista social e económico das suas populações); por outro, calcular um “valor esperado em contexto” – no fundo, saber que resultados são esperados em cada grupo de escolas nos exames nacionais (no secundário, o PÚBLICO só tem em conta os oito exames mais concorridos e no básico os dois únicos que são feitos, Português e Matemática do 9.º ano), tendo em conta as características dos seus alunos. 

Apoios e pais

Para atribuir um “contexto” seleccionámos, tal como em anos anteriores, dois indicadores: a proporção de alunos sem Acção Social Escolar em cada agrupamento e a média de anos de escolaridade dos pais dos alunos (que resulta da média da educação dos pais e das mães dos alunos de cada agrupamento). 

Assim, no caso das escolas secundárias, utilizamos os dados do agrupamento em que a escola está inserida relativos aos alunos do 12.º ano; para atribuir um contexto às escolas básicas, utilizam-se os dados relativos aos alunos do 9.º ano. Significa isto que a uma escola básica e a outra secundária que pertençam a um mesmo agrupamento podem ser atribuídos contextos distintos — porque os alunos do 9.º ano podem ter um perfil socioeconómico diferente do dos seus colegas do secundário do mesmo agrupamento. 

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Importa aqui apontar uma das limitações dos dados fornecidos pelo ME: se cada agrupamento de escolas tem, em geral, apenas uma escola secundária (os dados dos alunos de 12.º desse agrupamento representam de facto os alunos da escola), é muito frequente que haja mais do que uma escola básica com 9.º ano num mesmo agrupamento, pelo que os dados que estamos a usar para caracterizar uma dada escola podem não ser totalmente fiéis à realidade dessa escola (duas ruas acima pode haver outra, do mesmo agrupamento, com alunos mais ou menos carenciados).

Mas há outra limitação ainda na forma como o ministério fornece os dados de contexto: eles foram recolhidos em 2014/15, ao passo que as notas dos alunos que estão a ser consideradas no “ranking tradicional”, com base nas médias de exame, são as das provas realizadas em 2015/16. Segundo a Católica, contudo, na prática esta não deverá traduzir-se numa limitação muito séria, visto que os alunos avaliados em 2015/16 “já estariam na escola no ano anterior”.

O procedimento seguido pelo PÚBLICO para atribuição do contexto foi idêntico ao do ano passado, definido pela Universidade Católica do seguinte modo: “Atribuição de um percentil a cada agrupamento no indicador da % de alunos sem Acção Social Escolar; atribuição de um percentil a cada agrupamento no indicador educação média dos pais; cálculo da média dos percentis nos dois indicadores; atribuição de contextos — contexto 1 para as 33,3% dos agrupamentos com menores valores da média dos percentis; contexto 2 para os 33,3% agrupamentos seguintes, e contexto 3 para os 33,3% agrupamentos com valores mais elevados na média dos percentis.”

Assim, no ensino secundário, das 626 escolas onde se realizaram exames nacionais temos 157 no “contexto 1”, 153 no “contexto 2” e outras tantas no “contexto 3”. Há ainda 41 escolas públicas para as quais o ME não forneceu dados de Acção Social Escolar e habilitação dos pais (são sobretudo das regiões autónomas, o ME não tem informação para essas) e 122 escolas privadas (para as quais essa informação também não está disponível). Igualmente para essas se apresenta, contudo, a média “esperada”, que é na prática a média das classificações de exame registada no conjunto da privadas e no conjunto das regiões autónomas, respectivamente, ponderada pelo número de exames feitos em cada escola.

No básico, realizaram-se exames do 9.º ano em 1218 escolas: 314 do “contexto 1”, 318 do “contexto  2”, 313 do “contexto 3”. Há 61 públicas sem dados de contexto e 211 privadas onde acontece o mesmo. 

A informação está sintetizada nas tabelas que acompanham este texto que mostram ainda, por exemplo, o seguinte: no ensino secundário, nos agrupamentos que pertencem ao “contexto 1”, 57% dos alunos não têm ASE; nos agrupamentos de “contexto 3” são muitos mais os que não precisam dos apoios do Estado para estudar: 84%. Mais: em média, os pais dos alunos em “contexto 3” têm mais quase quatro anos de escolaridade do que os pais dos meninos do “contexto 1” (11,4 anos de escolaridade no total).

No básico, no “contexto 1”, a maioria dos alunos cumpre os requisitos de carência para ter apoio social e só 42% não o têm; no “contexto 3”, dispensam apoio do Estado quase 71% dos alunos. Em termos de escolaridade dos pais, o hiato é idêntico ao observado no secundário. 

O que esperar

Para cada escola, foi calculado de seguida o tal “valor esperado em contexto” — use-se a sigla VEC. “O VEC não é mais do que a média obtida nas oito disciplinas para o contexto em que a escola se insere”, explica Conceição Portela da Católica Porto Business School, que colabora com o PÚBLICO neste trabalho de análise, em que se pondera essa média pelo número de exames feitos a cada disciplina (o que justifica VEC diferentes em escolas no mesmo contexto). 

Nas tabelas que acompanham este texto é possível observar qual o VEC/média das notas de exames para cada disciplina em cada contexto; o número de exames realizado a cada disciplina; a percentagem de escolas em cada contexto (e a nível nacional) que realizou exames nessa disciplina (no 9.º esta percentagem é 100%, já que todas as escolas realizam exames de Português e Matemática) e o VEC global para cada contexto.

Tanto no básico como no secundário se verifica o esperado: o VEC para escolas do “contexto 1”, as mais desfavorecidas do ponto de vista socieconómico, são mais baixos do que o das escolas de contextos mais favorecidos. O que nas páginas deste suplemento poderá ficar a saber é que escolas superam o que era expectável face ao perfil de alunos que têm e quais as que ficam aquém. 

Veja as listas das escolas

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