Especialistas avisam que faltam dados para avaliar tratamento do cancro

Estudo Cancro 2020: Podemos fazer ainda melhor defende a criação de um registo nacional que permita perceber a diferença nos resultados dos vários hospitais.

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O estudo defende que os serviços devem organizar-se para facilitar a vida ao doente FERNANDO VELUDO/ NFACTOS

Com os dados que são actualmente recolhidos pelos vários hospitais do país, não é possível avaliar “com seriedade” os resultados que Portugal está a ter no tratamento dos doentes com cancro. Este é um dos principais alertas feitos pelo estudo Cancro 2020: Podemos fazer ainda melhor, que será apresentado nesta terça-feira, no Centro Cultural de Belém, e que defende que “todos os doentes devem receber a mesma qualidade de tratamento, independentemente do hospital onde são seguidos”.

O trabalho, realizado pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Universidade Nova de Lisboa, com o apoio da farmacêutica Roche, vai já na quarta edição. Os resultados do estudo contaram com um think tank de vários peritos, desde administradores a gestores, médicos, investigadores, outros especialistas, indústria farmacêutica e doentes, que tiveram como missão responder aos desafios que a área da oncologia vai trazer ao país nos próximos anos.

Rute Simões Ribeiro, investigadora principal do trabalho, em declarações ao PÚBLICO, explica que ainda não está assegurado um verdadeiro registo oncológico nacional, que permita avaliar e comparar o que fazem os diferentes hospitais. “Pode haver mais do que um bom modelo organizacional, mas tem de se assegurar que a qualidade do tratamento para os doentes é a mesma. É preciso identificar indicadores que meçam essa qualidade”, defende, alertando que sem esses indicadores “não é correcto dizer que os doentes não são bem tratados ou que são tratados de forma diferente”.

Tempos de espera desconhecidos

A investigadora exemplifica que para fazer essa avaliação seria necessário recolher em todas as instituições dados como o tempo de espera que os doentes têm até conseguirem ir a uma primeira consulta de oncologia. Além disso, é preciso saber, depois dessa consulta, quanto tempo demorou o diagnóstico a ser concluído e, após o diagnóstico, quanto tempo passou até o doente começar a fazer os tratamentos.

Rute Simões Ribeiro acrescenta, também, que é urgente recolher dados sobre a qualidade de vida dos doentes, tanto durante os tratamentos como depois. Aliás, uma das principais preocupações dos peritos é a necessidade de reformular os serviços e pensar mais nos doentes. Como? A investigadora afirma que, sempre que possível, “o doente não deveria deslocar-se dentro dos hospitais e deviam ser os profissionais a vir ter com ele”. Mais do que tentar que as consultas e tratamentos sejam feitos muito próximos do local de residência, a ideia é que o doente saiba que tem qualidade no local a onde se desloca, defendem os peritos.

Os especialistas, que incluem nomes como os dos oncologistas Paulo Cortes e Jorge Espírito Santo, alertam para a necessidade de os doentes com cancro serem sempre avaliados por uma equipa que tenha médicos de várias especialidades – o que não tem sido sempre assegurado. Dizem, ainda, que é preciso “garantir o acesso rápido e ágil aos novos medicamentos” e que “os profissionais de saúde devem aprender a explicar com clareza aos doentes a sua situação, usando linguagem comum”.

O grupo ouvido pela ENSP sugere também alterações à forma como os hospitais são pagos, reforçando-se, tal como nas anteriores edições do think tank, a ideia de que o financiamento deve ter em consideração “os ganhos em saúde para os doentes e para a sociedade”. Mas, para isso, “continuamos a não ter dados”, insiste Rute Simões Ribeiro.

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