Subida do nível do mar medida nas dunas da Península de Tróia

Ao longo dos últimos cerca de 7000 anos, as areias foram registando o nível do mar. Até à segunda metade do século XX os valores mantiveram-se constantes, a partir daí começaram a intensificar-se.

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Cientistas do Algarve e dos EUA reconstituíram o nível do mar na Península de Tróia Miguel Manso

A Península de Tróia era bem diferente há 6500 anos, o que pode significar que hoje continua a esconder-nos alguns segredos. Por isso, uma equipa do Centro de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Algarve e da Universidade do Leste da Carolina (EUA) decidiu recuar ao passado e reconstituir o nível do mar na Península de Tróia, usando as dunas da praia. Observou-se então que a subida do nível do mar acelerou na segunda metade – terá passado de uma média de 0,31 milímetros por ano para 1,69 milímetros –, conclui o estudo publicado na última edição da revista Scientific Reports.

Foi com o georradar, aparelho que emite ondas de rádio para “ver” o subsolo, que o grupo de investigadores coordenado por Susana Costas, geóloga da Universidade do Algarve, viajou até ao passado. “Fomos capazes de ver debaixo das dunas com o georradar”, diz ao PÚBLICO. Desta forma, a equipa determinou as camadas que constituem as dunas, observando a sua dinâmica ao longo do tempo.

Com o georradar fez-se a topografia interna das dunas em alta resolução, reconstituindo quatro das suas características: a localização ao longo do tempo, a idade, a elevação e a mudança do nível das águas. “Os equivalentes modernos dessas características foram também examinados, para estimar a amplitude da elevação [fazendo uma comparação], e transformar os indicadores obtidos com o georradar em indicadores do nível do mar”, lê-se no artigo científico.

Assim, ficou a saber-se melhor que a Península de Tróia era bastante diferente há 6500 anos. “O crescimento da Península de Tróia não foi contínuo, como pudemos observar. Há cerca de sete mil anos, a península chegava só até à Comporta, depois começou a crescer em direcção a norte, alargando-se até ao estuário do Sado”, explica-nos a geóloga. Havia tempestades, que faziam a península regredir. Depois, nos tempos mais calmos, voltava-se a recuperar o terreno perdido. O contacto das ondas na escarpa (o talude) também levou a que a praia fosse crescendo, por causa do processo de erosão da escarpa.

Também foram recolhidos grãos de quartzo dos sedimentos da praia, para datação no Instituto Tecnológico e Nuclear (ITN), em Sacavém. Assim, além de reconstituir a história das dunas, a equipa também analisou detritos espalhados na praia devido à acção das ondas (o espraio). “Queríamos perceber quando é que esses grãos tinham apanhado luz directa do sol pela última vez, naquele sítio”, explica a geóloga sobre a datação.

Usando todos esses métodos, percebeu-se que o nível do mar foi constante nos últimos 6500 anos até à segunda metade do século XX. “Observou-se que a taxa de subida do nível do mar foi de 0,31 milímetros por ano, desde há cerca de 6500 anos”, explica Susana Costas, num comunicado da Universidade do Algarve. E, desde então, o mar subiu na zona de Tróia cerca de dois metros, acrescenta a equipa no artigo.

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Ao longo do estudo, os investigadores usaram um georradar DR

A partir da segunda metade do século XX, o nível do mar “de acordo com outros autores, subiu aproximadamente 1,69 milímetros por ano”, diz ainda Susana Costas. O novo estudo agora aponta no mesmo sentido.

“Noutros trabalhos, foi usada uma resolução temporal inferior para avaliar a subida da água do mar”, diferencia Susana Costas, referindo-se à costa portuguesa.

Por exemplo, o projecto Alterações Climáticas em Portugal: Cenários, Impactos e Medidas de Adaptação (SIAM, na sigla em inglês), publicado em 2001, já indicava que o nível médio do mar tinha subido cerca de 15 centímetros no litoral continental português ao longo do século XX. O que resulta numa taxa média de 1,5 milímetros por ano.

Mas se noutros trabalhos, como no SIAM, o espaço analisado foi maior, por que se incluiu apenas Tróia no estudo da equipa do Algarve? “Ao longo da costa podia usar-se outros exemplos, mas o período temporal era mais reduzido. Queríamos algo com uma dimensão temporal maior”, conta-nos Susana Costas.

Os resultados desta investigação podem contribuir para outros estudos, por exemplo na arqueologia. Susana Costas está a trabalhar com um grupo de arqueólogos para perceber como é que o nível das águas do mar há cerca de sete mil anos pode ter influenciado a forma como a população no Mesolítico (10.000 a.C. a 5000 a.C.) começou a alimentar-se, quando algumas sociedades se tornaram sedentárias. Afinal, as areias de Tróia podem dizer-nos muito mais do que pensamos sobre o passado.

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