Encontro de americanos e russos para tentar “salvar Alepo"

A zona que a oposição ainda controla está cada vez mais circunscrita, o que faz com que as pessoas estejam mais concentradas e cada bombardeamento provoque ainda mais vítimas. Peritos enviados por Washington e Moscovo reúnem-se sábado em Genebra.

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Soldados pró-Assad observam ruínas de Alepo George OURFALIAN/AFP

As movimentações diplomáticas sobre a Síria prosseguem ao mesmo tempo que a situação no terreno piorar de dia para dia, com o regime a avançar decisivamente sobre Alepo no que é considerado o ponto em que Bashar al-Assad mais se aproximou da vitória num conflito que começou há seis anos com protestos pró-democracia. 

A Rússia insiste que os rebeldes que ainda lutam e resistem na parte oriental de Alepo se entreguem. Mas estes recusam-se, e parece haver razões para temerem sair: o porta-voz do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, Rupert Colville, disse que a ONU tinha provas de que “centenas” de homens podem ter desaparecido depois de terem saído da zona controlada pelos rebeldes para zonas controladas pelo regime. “Dado o terrível histórico de detenções arbitrárias, tortura e desaparecimentos forçados levados a cabo pelo governo sírio, estamos obviamente profundamente preocupados com o destino destas pessoas”, declarou Colville.

Entre os que fugiram da zona Leste de Alepo, homens com idades entre 30 e 50 anos foram separados das suas famílias, diz a ONU. Outros deslocados dizem que foram levados para ser interrogados, e tiveram os seus documentos de identificação confiscados.

A organização Capacetes Brancos, formada por socorristas que operam nas zonas controladas pelos rebeldes, lançou um apelo desesperado para que os seus voluntários tenham passagem segura para fora da cidade: “Se os nossos voluntários não conseguirem sair, arriscam-se a tortura ou execução nos centros de detenção do regime”.

Bombas com cloro

As bombas continuam a cair, concentrando-se numa zona cada vez menor do Leste de Alepo, onde se mantém rebeldes e civis. Os Capacetes Brancos dizem que morreram pelo menos 46 civis e outros 230 desapareceram apenas na quinta-feira durante um período em que a Rússia anunciou uma trégua. Entre os explosivos estavam bombas com cloro – arma proibida que leva a morte por afogamento porque o gás, quando inalado, queima os pulmões e provoca acumulação de líquidos.

No total, morreram na operação do regime contra os rebeldes em Alepo cerca de 410 civis, entre eles 45 crianças, diz a organização Observatório Sírio dos Direitos Humanos. Na zona controlada pelo regime morreram pelo menos 105 civis, entre eles 35 crianças, por acções dos insurrectos. Desde 2011, morreram mais de 300 mil pessoas nesta guerra, que deixou ainda deslocada metade da população do país.

Ainda segundo a ONU, permanecem a viver cerca de 100 mil civis numa zona cada vez mais diminuta do Leste de Alepo, em condições de desespero tais que ninguém se atreve a sair de casa para arranjar comida. Mesmo os vendedores que tinham as poucas verduras ainda disponíveis – beldroegas e salsa – já não abriram nos últimos dias. O facto de a zona estar cada vez mais circunscrita faz com que as pessoas estejam mais concentradas e cada bombardeamento provoque ainda mais vítimas.

“Salvar Alepo”

A ONU diz ainda que alguns grupos extremistas que lutam ao lado dos rebeldes na cidade não estão a deixar sair os civis.

Enquanto isso, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou uma resolução pedindo o cessar imediato de todas as hostilidades na Síria, acesso a ajuda humanitária em todo o país e o fim de todos os cercos. A resolução não é vinculativa, mas com 122 votos a favor e 13 contra (e 36 abstenções), tem peso político.

Ainda esta sexta-feira foi anunciada uma reunião, sábado em Genebra, de um conjunto de peritos americanos e russos para tentar “salvar Alepo” com um plano de cessar-fogo, evacuação das zonas rebeldes, e encaminhamento de ajuda humanitária, disse o secretário de Estado dos EUA John Kerry, segundo a agência francesa AFP.

“Hoje trabalhei e vou continuar a trabalhar num modo de salvar Alepo de uma destruição absolutamente total”, disse Kerry. “Amanhã [este sábado], uma equipa vinda da América, sob a direcção do Presidente Obama, estará em Genebra com os russos, e chegaremos, espero, a uma espécie de acordo sobre o modo como proteger os civis e o que se possa passar com a oposição armada.”

As recentes declarações russas não auguravam sucesso, com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, a acusar os americanos de adiar as conversações sobre a evacuação da zona oriental de Alepo e de tomar posições “estranhas” e contraditórias. O responsável russo afirmou, no entanto, que vê “boas hipóteses” para um acordo de evacuação.

O regime sírio diz agora controlar 85% da zona leste de Alepo que ficou dividida em meados de 2012, quando os rebeldes tomaram a sua parte oriental.

Mas ao mesmo tempo que o avanço de Assad, apoiado pela Rússia e Irão, parece inexorável, as monarquias do Golfo que apoiam os rebeldes não parecem estar perto de desistir, diz a agência Reuters.

Países como Arábia Saudita e Qatar continuam a financiar os rebeldes e a apoiar a exigência de que qualquer solução para o país tem de passar pela queda de Assad. Mesmo se os rebeldes perderem os centros urbanos, este apoio não vai desaparecer, disse o escritor e investigador Khaled al-Dakheel à agência britânica.

Estes esperam ainda saber a posição do próximo Presidente, Donald Trump, em relação à Síria: se por um lado será mais próxima da Rússia de Putin, por outro poderá ser mais dura em relação ao Irão. Com estes dois a serem os aliados-chave de Assad na Síria, é difícil prever o que irá acontecer.  

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