Direitos Humanos: da complexidade da sua concepção à importância da sua implementação

Não será altura de se pensar a nível nacional, regional e local numa Educação em Direitos Humanos que envolva conhecimento (sobre o que são Direitos Humanos e as acções cometidas mundialmente contra Direitos Humanos)?

A 10 de Dezembro de 1948, em Paris, 48 países subscreveram a Declaração Universal dos Direitos do Homem (hoje chamada de Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH), actualmente subscrita por mais de 180 países e com a adesão de Portugal à mesma a verificar-se a 14 de Dezembro de 1955. Sendo uma Declaração (e não uma Convenção ou um Pacto), não possui carácter vinculativo, o que significa que os Estados subscritores não são obrigados a cumpri-la, recebendo apenas sanções de carácter moral, nomeadamente por parte da Comissão dos Direitos Humanos da ONU, a quem compete a monitorização do seu cumprimento (sendo público que essa monitorização tem sido diferenciada em função de alianças e da importância social atribuída aos diferentes países que violam os Direitos consagrados na DUDH).

No entanto, apesar do seu carácter não vinculativo, os Estados subscritores foram vertendo para as respectivas legislações nacionais muitos daqueles Direitos, à semelhança de Portugal no que diz respeito à Constituição da República Portuguesa.  Longe já das razões que levaram à sua criação (nomeadamente
prevenir situações de conflito armado pós segunda Guerra Mundial no contexto da Guerra Fria e progressivamente igualar mundialmente direitos considerados fundamentais pelas sociedades ocidentais), importaria (re)centrar o debate em torno da sua ‘universalidade’ e da sua extensividade (abrangência), interrogando e complexificando aqueles direitos, desligando as sucessivas gerações de direitos (civis e políticos; económicos e sociais; e culturais) da sua conotação política, nomeadamente no que diz respeito às duas primeiras ‘gerações’, muito conotadas com os direitos privilegiados por países de pendor fortemente capitalista (os direitos civis e políticos) ou de pendor fortemente socialista (os direitos económicos e sociais).

Não cabendo aqui essa discussão, importa, no entanto, considerar que, independentemente das razões subjacentes à sua emergência e consagração legal, num tempo e num lugar historicamente situados, a construção de Direitos Humanos é fundamental para o respeito pelo ser humano e a humanização das sociedades. Importa, por isso, desligar a DUDH da sua ‘filiação’ ocidental e construir os Direitos Humanos enquanto direitos da humanidade, circulando supranacionalmente
desligados de qualquer pertença nacional.

Neste sentido, a construção de um compromisso em torno de um mínimo cultural comum mundial como ponto de partida para alcançar um máximo cultural comum mundial torna-se fundamental. O que está em causa não é a supremacia de umas culturas sobre as outras, mas antes a construção de um compromisso mundial em torno de princípios e valores reconhecidos como válidos independentemente da sua origem cultural (ocidental, hindu, islâmica, etc.) para, tendo por base cada e todas as culturas, formar uma constelação de direitos de valor igual.

Este entendimento intercultural forçosamente implicaria renúncias por parte de cada universo cultural, procurando alcançar um máximo cultural comum mundial que proteja o ser humano dos fascismos sociais locais e das suas consequências para as vítimas dos mesmos dado o sofrimento não ser algo abstracto, mas dolorosamente real. Neste sentido, torna-se fundamental que o diálogo se construa na presença e com a palavra dos seres humanos que integram o grupo heterogéneo dos estruturalmente subordinados, não raras vezes perspectivados como infra-humanos.

Sendo a construção dos Direitos Humanos um processo (o que significa que não existem respostas finais), com tanta desumanidade a ocorrer em simultâneo no mundo, valerá a pena dizer que, (re)começando por algum lado, nomeadamente pelos refugiados de múltiplas guerras, quem é detentor dos diferentes tipos de poder socialmente valorizados (económico, cultural, social, simbólico) tem a responsabilidade e o dever moral de procurar transformar a realidade no sentido da sua humanização. E que a sua responsabilidade é tanto maior quanto maior é o tipo e o montante de poder que possui.

Jogando a educação um papel fundamental na aprendizagem e exercício de Direitos Humanos, não valerá também a pena pensar o que está a ser feito, nomeadamente em Portugal, a este nível? Não existindo um Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, um Observatório de Educação em Direitos Humanos ou uma cultura de Direitos Humanos nas escolas, mas apenas recomendações relativas à transversalidade do tema nas diversas disciplinas, não será altura de começar a fazer mais do que actividades pontuais nas escolas, frequentemente desconectadas das diferentes disciplinas?

Não será altura de se pensar a nível nacional, regional e local numa Educação em Direitos Humanos que envolva conhecimento (sobre o que são Direitos Humanos e as acções cometidas mundialmente contra Direitos Humanos)? Com reflexão (no sentido da formação da pessoa) e consciencialização (acerca do papel de cada um/a na prevenção da violação de Direitos Humanos)?

Uma educação que vise uma alteração de atitudes e comportamentos, uma auto e hetero-vigilância crítica no sentido do cumprimento dos Direitos Humanos, num compromisso claro com a humanidade? Sem condescendências, paternalismos, tolerâncias e caridades de uns seres humanos sobre outros seres humanos?

E pensar que se todo o ser humano tiver o “Direito a”, deixa de ser necessária a preocupação constante com o “dever de”?
 

 

 

Sugerir correcção
Comentar