O espectáculo segue dentro de momentos…

Há momentos em que a assunção pública da banalização da gestão política da mediatização surge como uma forma de profundo desrespeito.

mediatização da política é um dado consumado. Nas sociedades actuais, não só a política é espectáculo, mas a política é-o em absoluto. É tanto assim que não só as opiniões políticas como os próprios factos políticos só o são quando mediatizados enquanto informação jornalisticamente tratada ou enquanto conteúdos divulgados na comunicação social ou nas redes sociais. Só o que aparece, existe.

A gestão dos timings na política vive assim dependente dos tempos comunicacionais e do imediatismo que a globalização impõe. E se as redes sociais hoje ganham cada vez mais espaço e peso, a verdade é que o palco privilegiado da política é o espaço informativo jornalístico, no qual as televisões são o meio mais requisitado para fazer passar a mensagem, uma vez que são as que atingem mais audiências, ou seja, eleitores.

É, assim, uma regra que os políticos giram a sua intervenção pública ao ritmo dos tempos comunicacionais televisivos. Não é a única regra para essa gestão, mas é seguramente uma das mais relevantes. É publicamente assumida como tal e está banalizada. Mas há momentos em que a assunção pública da banalização da gestão política da mediatização raia a fronteira do absurdo ou do ridículo, e surge aos olhos dos cidadãos — os tais eleitores de que os políticos em democracia vivem — como uma forma de profundo desrespeito.

Um desses momentos aconteceu no sábado, 3 de Dezembro, protagonizado pelo ocupante do mais alto cargo institucional português, do primeiro órgão de soberania, o Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa domina os tempos comunicacionais como poucos, há anos que vive no espaço mediático e muita da popularidade que o conduziu ao Palácio de Belém foi conquistada através dos écrãs televisivos. É precisamente porque Marcelo é um político-celebridade que surge como mais grave o espectáculo que ele deu nesse dia perante as câmaras.

Questionado sobre a nomeação de Paulo Macedo para substituir António Domingues na presidência da Caixa Geral de Depósitos, o Presidente afirma: "Acho que não é muito justo para o sítio onde nos encontramos [comentar a CGD]. Prometo reagir num dos próximos dias, se quiserem segunda-feira. Segunda-feira reajo longamente, mas aqui acho que era minimizar o significado desta casa e da entrega desta gente." E acrescentou, argumentando com a sua agenda presidencial: "Prometo reagir. Amanhã não tenho nenhum compromisso público, mas na segunda-feira, logo de manhãzinha, reajo. Ainda vai muito a tempo — não se passa nada entre hoje à noite e domingo".

O local onde falou foi a associação Casa do Tejo — Direito ao Lazer, da Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa (APCL), um local como muitos outros que visita enquanto Presidente. Aliás, na segunda, dia 5 de Dezembro, como prometido, Marcelo não deixou de fazer o comentário prometido na Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias, em Castelo Branco: "Aquilo que tenho a dizer é que este processo de transição [CGD] correu muito bem, está a correr muito bem e portanto, tenho uma confiança reforçada na Caixa e no futuro da Caixa."

O que surge como mais extraordinário não é que o Presidente da República se tenha justificado para não falar sobre a CGD com o local onde estava — esse argumento aparenta-se tão-só ser desculpa de circunstância. O mais espantoso é que Marcelo Rebelo de Sousa nada tão à vontade e com tanta destreza nas águas do mediatismo e da política-espectáculo que se dá ao luxo de, perante as câmaras, assumir que não lhe interessa falar sobre um assunto e anunciar que suspende o imediatismo mediático da comunicação. Com o argumento de que no domingo não tinha agenda e que "segunda-feira, logo de manhãzinha", reagia, acrescentando: "Ainda vai muito a tempo — não se passa nada entre hoje à noite e domingo".

O Presidente da República tem responsabilidade e deveres para com o país, mas Marcelo decidiu reduzir os cidadãos-eleitores a meros telespectadores, criando um momento político estilo "o espectáculo segue dentro de momentos."

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