O dia em que a CGTP e a CIP concordaram em subir o salário mínimo

Há dez anos foi assinado um acordo inédito para o aumento do salário mínimo entre 2007 e 2011. Este ano, um governo também do PS tenta de novo juntar os parceiros sociais à volta da remuneração mínima

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Carvalho de Silva e João Proença lideravam a CGTP e a UGT Pedro Cunha/Arquivo

Reuniões na Praça de Londres madrugada fora, acompanhadas com chá e bolachas; encontros de alto nível de ministros com os dirigentes das confederações patronais e sindicais; e até uma reunião entre o então primeiro-ministro José Sócrates e o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa. Foi este o ambiente que se viveu nos meses que antecederam a assinatura, a 6 de Dezembro de 2006, do acordo inédito para o aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN). Pela primeira vez, os parceiros sociais concordaram em aumentar a remuneração mínima ao longo de vários anos.

Nessa altura, Portugal tinha um SMN de 385,90 euros, valor reconhecido por todos – incluindo patrões – como “muito baixo”. José Sócrates estava no poder há quase dois anos e o PS tinha maioria no Parlamento. Na concertação social, o clima era favorável ao diálogo e o ano culminaria com o acordo que fixava a evolução do SMN entre 2007 e 2011. Todos os parceiros sociais, incluindo a CGTP, deram o sim, mas não houve direito a cerimónia pública nem a assinatura formal. 

Dos registos fotográficos desse acordo histórico, há um dos protagonistas que se mantém. José Vieira da Silva, actual ministro do Trabalho e da Segurança Social, que, há dez anos, ocupava a mesma pasta e liderou o processo de negociação do acordo. Olhando para trás, o ministro recorda um processo “com muito trabalho prévio de contacto com os parceiros sociais ao mais alto nível”.

Na altura, relata ao PÚBLICO, conjugaram-se vários elementos que permitiram um desfecho favorável. Por um lado, os dirigentes patronais eram sensíveis à importância de aumentar o SMN. Por outro, vivia-se um período de expectativa de recuperação económica e uma “dinâmica construtiva na concertação social”. Mas o acordo, sublinha, foi sobretudo “o resultado de uma confluência de vontades”. “Houve um empenho pessoal dos dirigentes máximos de todas as confederações”.

Entre esses dirigentes, há dois que se destacam: Manuel Carvalho da Silva e Francisco Van Zeller. O primeiro estava à frente da CGTP, central sindical que, por norma, não assinava acordos com os governos. O segundo presidia à Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), entidade que tradicionalmente resistia a tomar medidas que afectassem os custos das empresas.

Do “sim” destes dois dirigentes dependia a formalização de um acordo inédito com a participação de todos. A UGT, tradicionalmente mais atreita a assinar acordos, estava naturalmente entre os valores seguros. Quanto aos restantes patrões (Comércio, Agricultura e Turismo), havia a ideia de que se a CIP assinasse eles fariam o mesmo.

O caminho não foi fácil. Para assegurar que a CGTP estaria no acordo e que o PCP (com ligações fortes à central) não se oporia, há relatos de um encontro ao mais alto nível entre José Sócrates e Jerónimo de Sousa. O processo implicou ainda muitas reuniões, em que assuntos laterais ganhavam grande importância. Um deles foi a polémica entre a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) e o então ministro da Agricultura, Jaime Silva, que acusou a CAP de ter ligações à extrema-direita. O presidente João Machado (que se mantêm à frente da confederação) não gostou e ameaçou abandonar o diálogo social. Na véspera da assinatura do acordo para o SMN, o Governo multiplicou-se em contactos com a CAP, de forma a garantir que não desistiria à última hora.

Van Zeller, ex-presidente da CIP, recorda que no período que antecedeu a negociação na comissão permanente de concertação social fizeram-se muitos encontros na Praça de Londres, onde ficava o gabinete de Vieira da Silva. “Lembro-me de reuniões até à uma ou duas da manhã com bolachas e chá”. Desses encontros destaca duas figuras: João Proença, então secretário-geral da UGT, e o próprio ministro. "Excelentes negociadores”, diz.

Também Carvalho da Silva dá conta de “muitas discussões” envolvendo, além do ministro Vieira da Silva, o primeiro-ministro. “Houve uma intervenção activa de toda a gente”, diz ao PÚBLICO.

“Na altura havia um clima claramente favorável à concertação social nesse início de mandato do Governo e tratou-se de aproveitar o balanço desse clima para se fazer esse acordo”, recorda João Proença, antigo dirigente da UGT.

As bases daquele que viria a ser um entendimento inédito foram lançadas com a decisão de criar o Indexante de Apoios Sociais (IAS) para substituir o SMN como referencial na actualização e cálculo das prestações sociais. Como o crescimento das pensões mínimas estava directamente ligado ao SMN, eram os próprios governos que travavam o seu aumento para evitar os efeitos da decisão na despesa pública.

 “O salário mínimo era muito baixo, todos reconhecíamos isso”, diz agora ao PÚBLICO o antigo dirigente da CIP. Por outro lado, lembra, “muitas das empresas já tinham salários mais altos do que o SMN e a subida não afectou um grande universo”.

Com base neste pressuposto, a CGTP tinha definido como objectivo colocar o SMN nos 500 euros em 2010. O acordo ficou lá perto. Estabeleceu-se que a remuneração mínima aumentaria de 385 para 403 euros em 2007, atingindo 450 euros em 2009, e assumia-se “como objectivo de médio prazo o valor de 500 euros em 2011“.

A meta ficou pelo caminho. Em 2011, já com a ameaça da troika, o SMN subiu para 485 euros e aí ficou até Outubro de 2014. Nesse ano, com Passos Coelho/Paulo Portas no Governo, aumentou para 505 euros, onde se manteve até Janeiro de 2016, quando, já com António Costa como primeiro-ministro, passou para 530 euros.

Artigo corrigido com a referência ao facto de o acordo de 2006 não ter tido assinatura formal.

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