Isto não é o momento “Brexit” de Itália

O mundo é um lugar complexo. Simplificá-lo não é boa ideia. Numa União Europeia que nunca gerou uma noção de identidade forte entre os seus cidadãos, as identidades nacionais são o que realmente conta. Os mercados falam (sim, os mercados falam) e os comentadores avisam para o “Italexit” que poderia resultar, a médio prazo, do chumbo da reforma constitucional de Matteo Renzi e da sua demissão. “Brexit”, Donald Trump, “Italexit”, o horror.

O referendo italiano é como o mundo, complexo. Em causa estavam alterações profundas à distribuição de poderes legislativos e executivos. E cada eleitor votou “não” pelo seu conjunto de motivos. É verdade que foi Beppe Grillo, fundador e líder do Movimento 5 Estrelas, o rosto da campanha pelo chumbo. Também é verdade que o primeiro líder político a festejar e a exigir a demissão de Renzi “em minutos” na noite de domingo foi Matteo Salvini, da Liga Norte, o partido xenófobo e secessionista da extrema-direita italiana.

Quer isto dizer que venceu o populismo e o nacionalismo? Sim, mas... Entre quem defendia o voto no “não” encontramos figuras mais do que moderadas, incluindo dois ex-chefes de Governo: Massimo D’Alema, do centro esquerda, e, pasme-se, Mario Monti, esse primeiro-ministro não eleito que governou entre o fim de 2011 e 2013 à frente de um governo de tecnocratas nomeado para afastar Silvio Berlusconi e tranquilizar Bruxelas. Não é preciso outra prova de que “podia votar-se ‘não’ a partir do decoro institucional”, como escreve no El País Rúben Amón.

Itália vive entre crises políticas desde a implosão do sistema partidário na sequência do processo Mãos Limpas, no início dos anos 1990. Os tempos mais tranquilos foram alguns dos anos Berlusconi, único primeiro-ministro a completar uma legislatura neste período.

Em 2008, quando todos antecipavam uma vitória tranquila de Romano Prodi, o centro-esquerda ganhou a Câmara dos Deputados e perdeu o Senado (graças à lei eleitoral do partido de Berlusconi). Em 2013, foi ainda mais caótico e ninguém ganhou o prémio de maioria na câmara alta, lançando o país na incerteza. De todas as vezes, os partidos do centro negociaram e nada indica que desta vez aconteça diferente.

O 5 Estrelas, o movimento anti-establishment que quer referendar o euro, diz que já está a preparar o seu governo mas até os seus líderes sabem que dificilmente será para breve. Itália sem caos nem é bem Itália. E não, este não é (ainda) o momento “Brexit” do país onde Berlusconi inspirou Trump e a política-espectáculo.

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