A Itália a meio da ponte: “alea jacta est!”

Como uma crise em Itália pode abalar o sistema financeiro e equacionar o projeto Europeu.

Segundo as sondagens, os italianos podem vetar hoje a alteração da constituição proposta pelo governo e, com isso, precipitar uma crise política em Itália correndo-se o perigo de se espalhar como um vírus ao resto da Europa. Porquê? Porque a Itália tem o 4.º maior PIB da europa e o 8.º a nível mundial, a banca Italiana tem uma dimensão muito superior à grega ou à cipriota e a sua capitalização é inadiável. Finalmente, porque tem um rácio de dívida face ao PIB superior a 130%. Uma crise em Itália pode abalar o sistema financeiro e equacionar o projeto Europeu.

Há quem apregoe que tudo ficará como antes uma vez que se mantém a lei e o governo já recuou em relação a uma saída imediata em caso de derrota. Este otimismo pode ser um pouco exagerado. A comparação com o "Brexit", por exemplo, peca por defeito, desde logo porque estamos a falar de um país da Zona Euro. E depois, porque a banca britânica não estava a passar pela problemática situação que se vive em Itália. Um governo derrotado será um governo fragilizado democraticamente para negociar com instâncias europeias a urgente recapitalização da banca italiana. Com que legitimidade poderá esse governo opor-se a que os depósitos sejam convertidos em capital, se for o caso?

O problema extravasa claramente as fronteiras políticas e atinge o coração do sistema financeiro italiano, do qual o banco Monte de Paschi tem sido o mais discutido. É certo que o banco já tem em curso uma operação de conversão de dívida subordinada e um aumento de capital. O problema é que (i) cinco mil milhões de euros é apenas o montante inicial da capitalização para o Monte de Pashi que precisaria de oito aumentos de capital da mesma dimensão para destapar o total de crédito malparado que tem em carteira; (ii) há, pelo menos, mais quatro bancos italianos a precisar de aumentar capital e (iii) o estado italiano não tem capacidade de endividamento para capitalizar esses bancos, nem as instâncias europeias parecem dispostas a aceitar uma violação das regras vigentes.

Ou seja, a confirmarem-se as indicações das sondagens, um "Italexit" subirá na lista de riscos de muitos investidores, com as consequências que se anteveem: o euro dificilmente recuperará das quedas recentes contra o dólar e pode mesmo cair mais, as obrigações alemãs (bunds) voltam a servir de refúgio, reacender-se-á o problema da sub-capitalização da banca europeia, em particular dos países do Sul como Portugal, e arriscamo-nos a mais um candidato a eleições em 2017 (para não falar das já previstas: Alemanha, França e Holanda).

Poderíamos pensar que este é um passo num difícil processo de re-integração da Europa e uma aproximação aos ideais com que foi edificada. Gostaria de acreditar, mas sou um pouco menos crente, dado o caminho que nos trouxe aqui. A vitória de Trump nos EUA, bem como a vitória do "Brexit" no Reino Unido têm uma explicação: o descrédito dos cidadãos nos políticos que governaram nas últimas décadas, e que não terão defendido o interesse público e a classe média. A explosão na desigualdade económica e geográfica ao longo de várias décadas, quer nos Estados Unidos quer na Europa, é a evidência da incapacidade de sucessivos governos para lidar com isso. Não se trata de política de esquerda ou de direita, porque nenhum destes movimentos conseguiu contrariar uma tendência: a classe média perdeu poder de compra nos últimos 25 anos e só à custa de dívida conseguiu manter o seu nível de vida.

A população não vê alternativa senão votar em partidos e candidatos populistas, anti-sistema e com um enorme grau de imprevisibilidade quanto às medidas que vão adoptar. O curioso é que os atuais programas eleitorais não têm na agenda nem a diminuição da desigualdade, nem um crescimento mais sustentável.

Por uma questão de urgência, a principal lição para a Europa e para o mundo é clara: a globalização deve ser re-orientada, através de tratados internacionais que promovam um modelo de desenvolvimento equitativo e sustentável, reorientado para o bem comum global, e não apenas centrado no benefício económico de cada parte envolvida. O comércio deve tornar-se um meio ao serviço das extremidades sociais.

Os novos acordos internacionais devem incluir medidas quantificadas e vinculativas para combater dumping fiscal (definindo taxas mínimas de tributação sobre os lucros) e metas para as emissões de carbono que podem ser verificadas e aprovadas.

Tal como Júlio César, que de regresso a Roma, quebrando as regras, decidiu atravessar o rio Rubicão com as suas tropas, em vez de esperar na outra margem, resta-nos dizer “Alea Jacta est!”

Esperemos é que os italianos atravessem o Rubicão, mas para o lado da Europa e do euro e não de Roma, dos tempos da lira.

Diretor de Investimentos do Banco Carregosa

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