Um lobo de Wall Street veste a pele de secretário do Tesouro de Donald Trump

Steven Mnuchin foi responsável pela angariação de fundos na campanha de Trump, mas o seu passado foi feito no mundo que o próximo Presidente tanto critica: foi banqueiro da Goldman Sachs durante 17 anos e aproveitou a crise de 2007-2008 para fazer um negócio milionário.

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Steven Mnuchin tem 53 anos começou a carreira na Goldman Sachs Mike Segar/Reuters

Era uma vez um banqueiro de Wall Street, filho de outro banqueiro de Wall Street, que ajudou a financiar as campanhas de Hillary Clinton e Barack Obama, e que recebeu milhões de dólares da besta negra dos mais conservadores do Partido Republicano, George Soros, para comprar um banco que foi resgatado pelos contribuintes na crise financeira de 2007-2008 e mais tarde vendido pelo triplo do preço sob acusações de retirar as casas a proprietários de forma agressiva. Moral da história: Steven Mnuchin, de 53 anos, foi nomeado secretário do Tesouro por Donald Trump.

Esta é apenas uma parte da história de Mnuchin e Trump, mas diz muito sobre o misto de pragmatismo e recompensa pela lealdade durante a campanha que está a encher a Administração do magnata do imobiliário. Em Abril, o antigo banqueiro da Goldman Sachs entrou no comboio de Donald Trump como responsável pela angariação de fundos, e o sucesso do seu trabalho foi premiado com um dos cargos mais importantes do Governo norte-americano.

Como secretário do Tesouro, Steven Mnuchin vai tentar transformar em leis muitas das promessas mais emblemáticas do candidato Trump: a "completa reformulação" do sistema fiscal, que passa por uma "enorme" redução de impostos para toda a gente (dos mais pobres aos mais ricos, passando pelas empresas) e, ao mesmo tempo, reduzir o défice enquanto moderniza estradas, aeroportos e pontes. Para além disso, terá nas mãos o poder para aplicar mais sanções ao Irão e a Cuba, se o próximo Presidente decidir mesmo travar ou renegociar os acordos da Administração Obama com esses dois países.

Tal como Donald Trump, Steven Mnuchin nunca teve nenhuma responsabilidade governativa, e por isso são poucos os pormenores sobre o seu pensamento económico. Mas sobre a sua habilidade na alta finança não faltam exemplos.

Formado na prestigiada universidade Yale, Mnuchin seguiu o caminho do seu pai até à Goldman Sachs na década de 1980, onde trabalhou durante 17 anos. Chegou a sócio e as responsabilidades que lhe foram confiadas chegaram para engordar a conta bancária até aos 40 milhões de dólares. Identifica-se como republicano, mas nunca foi homem dado a grandes manifestações públicas de ideologia.

Tal como Donald Trump, foi espalhando dinheiro um pouco por todo o lado na política, apostando em Hillary Clinton nas corridas bem-sucedidas para o Senado em 2000 e 2006 e na corrida para a Casa Branca em 2008, que acabou em desastre. Na mesma década, passou também cheques em nome de Barack Obama, na candidatura ao Senado em 2004 e também na corrida que o levou à Casa Branca em 2008.

Como homem da alta finança, foi apostando em muitas e variadas mesas – até nas do antigo mayor de Nova Iorque Rudolph Giuliani e na do candidato do Partido Republicano em 2012, Mitt Romney. Mas, contas feitas, deu mais dinheiro a candidatos do Partido Democrata do que do Partido Republicano: segundo o site da revista Politico, nas últimas duas décadas o próximo secretário do Tesouro deu 64 mil dólares a democratas e 40 mil a republicanos.

"O negócio de uma vida"

A maior aposta da sua vida foi feita em Abril deste ano, quando Donald Trump o convidou para aparecer na Trump Tower, em Nova Iorque, para acompanhar ao seu lado o resultado das eleições primárias no Partido Republicano. No dia seguinte, Mnuchin recebeu um telefonema de Trump a perguntar-lhe se queria coordenar a campanha de angariação de fundos, que por aquela altura estava nas ruas da amargura – Hillary Clinton somava dezenas de milhões todos os meses, e Donald Trump ia tentando encher os cofres com o seu próprio bolso e com pequenas contribuições de apoiantes mais fervorosos.

Num perfil feito em Agosto pela Bloomberg Businesseek, três amigos de Steven Mnuchin dizem ter ficado espantados quando souberam que o convite tinha sido aceite – e um deles disse mesmo que nada sabia sobre a existência de uma amizade entre Mnuchin e Trump.

O melhor que os jornalistas da Bloomberg conseguiram arrancar ao então responsável pela angariação de fundos na campanha de Donald Trump sobre os motivos da aproximação ao magnata é um exemplo do pragmatismo dos lobos de Wall Street: "Ninguém vai perguntar 'por que é que ele aceitou isto' se eu for nomeado para a Administração."

"Uma tese que circula entre Manhattan e Beverly Hills", escreveram os jornalistas da Bloomberg, "é que um investidor com tanto sangue de Wall Street nas veias percebeu que à sua frente estava o negócio de uma vida. Em troca de uns quantos meses de trabalho sem receber nada, Mnuchin ficou com uma oportunidade para entrar no gabinete do Presidente Trump. Os sócios da Goldman Sachs têm riqueza e os produtores de filmes fazem amizades com as estrelas do cinema, mas o secretário do Tesouro tem o seu nome gravado em dinheiro."

Depois de ter saído da Goldman Sachs, em 2002, Mnuchin passou pela Soros Fund Management (sim, uma empresa daquele magnata e filantropo adorado por progressistas e diabolizado por conservadores). A ligação a George Soros atingiu o ponto alto em 2009, quando compraram o banco IndyMac, então na falência, por 1,6 mil milhões de dólares. Seis anos depois, já com o nome OneWest, Mnuchin e os seus sócios venderam-no ao CIT Group por 3,4 mil milhões de dólares. Pelo meio, o OneWest e o seu presidente executivo, Steven Mnuchin, deixaram um rasto de processos e protestos, devido a acusações de que eram rápidos a puxar o gatilho quando um cliente deixava de pagar a prestação do empréstimo da casa – em 2009, um juiz de Long Island deu razão a um desses clientes e apagou uma dívida de 525 mil dólares ao OneWest, acusando o banco de práticas "duras, repugnantes, chocantes e repulsivas".

O próximo secretário do Tesouro norte-americano é também conhecido pela sua paixão pelo cinema. É só procurar nos créditos de sucessos de bilheteira como Avatar, X-Men, Sniper Americano ou Mad Max: Estrada da Fúria, e lá está ele como produtor. Em breve vai ser possível vê-lo como actor, no filme Rules Don't Apply, realizado por Warren Beatty, num papel que lhe assenta como uma luva: um banqueiro do Merrill Lynch.

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