Tropas de Assad avançam sobre o Leste de Alepo com o mundo a assistir

Situação nos bairros rebeldes passou de "terrível a aterradora", diz a ONU. Exército sírio acusa combatentes de esconderem mantimentos em armazéns.

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Mais de 140 pessoas morreram na última semana nos bairros controlados pela oposição Ameer Alhalbi/AFP

A ameaça para os sírios cercados no Leste de Alepo já não vem apenas do céu – uma semana depois do início de uma ofensiva que o regime de Bashar Al-Assad anuncia como sendo a derradeira, o Exército e as milícias xiitas que o apoiam entraram num dos bairros controlados pelos rebeldes, pondo em fuga os civis que ainda ali resistiam.

Masaken Hanano, na entrada leste da cidade, é um bairro simbólico para a oposição – foi o primeiro a ser tomado pelos rebeldes quando a guerra chegou a Alepo, no Verão de 2012 – mas é também estratégico. Perdê-lo significaria que os restantes bairros sob controlo da oposição ficariam “na linha de mira” das forças do regime, o que lhes permitiria isolar o nordeste da cidade das restantes áreas rebeldes, explicou Rami Abdel Rahman, director do Observatório Sírio dos Direitos Humanos.

Nos últimos quatro anos, o bairro foi um dos mais visados pela aviação síria, levando à fuga da maioria dos seus habitantes. Mas a intensidade dos últimos ataques aéreos – que terão feito pelo menos 143 mortos, incluindo 19 crianças, nas contas do Observatório – e a aproximação dos militares não deixou outra alternativa aos que ainda resistiam. “Os civis começaram a fugir” para as zonas mais a sul, disse à AFP Milad Chahabi, membro da administração rebelde no bairro. “Estamos à procura de casas desabitadas para os abrigar.”

A agência, que mantém jornalistas sírios na zona, dava conta de combates e bombardeamentos em várias frentes do Leste de Alepo e o Observatório dizia ter informações de que a milícia xiita libanesa do Hezbollah, apoiante de Damasco, conseguiu já apoderar-se de um terço de Masaken Hanano. “É o avanço mais importante feito até agora pelo regime nos bairro do Leste de Alepo”, sublinha Rahman.

Uma progressão que, somada às impossíveis condições de sobrevivência na zona cercada, sugerem que a posição dos rebeldes na cidade está a tornar-se insustentável. “Agora, é apenas uma questão de saber quanto tempo é que eles vão aguentar”, disse à AFP um diplomata europeu, sob anonimato. Um declive que se torna mais íngreme perante a constatação de que nenhum aliado internacional virá em socorro dos rebeldes. “Houve um tempo que poderíamos ter feito qualquer coisa por Alepo, agora é demasiado tarde”, acrescentou Emile Hokayem, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, afirmando que, à excepção da Rússia e do Irão, “todos os actores decisivos continuam a adiar as decisões difíceis até não terem qualquer opção válida”.

Nesta terça-feira, a aviação síria largou folhetos sobre os bairros rebeldes, desafiando os combatentes a deixarem a zona “antes que seja demasiado tarde”. O Exército emitiu também um comunicado em que volta a acusar a rebelião de impedir a saída dos civis das zonas que controla e de se apoderar da comida enviada para a zona. “O comando geral das forças armadas apela aos militantes do Leste de Alepo que abram os armazéns e distribuam a comida a quem precisa”, lê-se na nota. Questionado pela Reuters, o porta-voz do gabinete de coordenação das operações humanitárias das Nações Unidas (OCHA), Jens Laerke, disse não saber a que armazéns estaria Damasco a referir-se, tanto mais que há quatro meses que nenhuma ajuda entra no Leste de Alepo.  

De "terríveis a aterradoras"

Ouvido segunda-feira no Conselho de Segurança, o director do OCHA, Stephen O’Brien, insistiu que as condições naquele sector passaram de “terríveis a aterradoras” e, sem isentar de culpas nenhum dos beligerantes, disse que o cerco está a ser aplicado “de maneira monstruosa pela parte que em primeiro lugar deveria defender e proteger os seus cidadãos”.

O presidente da Cruz Vermelha Internacional, Peter Maurer, anunciou que vai visitar nos próximos dias Moscovo, Washington e Teerão, a fim de obter o seu aval à entrada de assistência médica nas zonas cercadas. Uma iniciativa que chega dias depois de Damasco ter rejeitado uma proposta da ONU nesse sentido, alegando que a suspensão da ofensiva “recompensaria os terroristas” que continuam a disparar rockets sobre o Oeste de Alepo – o Observatório contabilizou 16 civis mortos na última semana, 10 dos quais crianças.  

“Estou à beira do meu limite”, admitiu O'Brien na reunião de segunda-feira. "Que a vergonha nos cubra a todos por não termos travado a aniquilação do Leste de Alepo e de grande parte da Síria também.”

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