“Os skinheads voltaram no último ano e meio”, diz SOS Racismo

Os dados oficiais dizem que desde 2008, houve apenas uma queixa contra o PNR feita na Comissão Contra a Discriminação Racial. Mas a vida nas ruas e as detenções de skinheads mostram que devemos estar atentos, diz organização.

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A lei tem de ser mais clara quanto à criminalização do racismo, defendem activistas ADRIANO MIRANDA

No topo de um dos edifícios do Martim Moniz há gente, e uma enorme faixa a dizer “Portugueses Primeiro”. É domingo, dia 13 de Novembro, e uma enorme massa de gente ocupa aquela que é conhecida como a praça mais multicultural de Lisboa a apoiar a luta pelos direitos dos imigrantes. Para os mais distraídos, a faixa pode ser confundida com um slogan do Partido Nacional Renovador (PNR), que ali faz uma contra-manifestação com cerca de 50 pessoas.

Mas Portugueses Primeiro não é slogan. Trata-se de um movimento nacionalista que tenta reproduzir os movimentos sociais como o Bloc Identitaire (em França) ou CasaPound (em Itália), nota o historiador Riccardo Marchi, que tem centrado a sua pesquisa académica na direita radical, nomeadamente em Portugal. Terá poucas dezenas de membros, alguns passaram pelo PNR. Na Internet apelam a ideias parecidas à do PNR.

Em poucos dias, a extrema-direita portuguesa voltou a estar nas notícias. Primeiro por causa da detenção de 21 suspeitos skinheads. Depois, pelos desacatos no domingo provocados pelo PNR na manifestação e à porta de uma reunião do partido de esquerda Livre. Durante a marcha, comentou-se a ligação entre estes episódios. Terá sido apenas mais uma provocação do PNR, partido que quer um referendo para destruir a mesquita de Lisboa e faz ataque cerrado à imigração e à sociedade multirracial?

Uma questão atravessa estas todas: devemos preocupar-nos com uma eventual onda de ataques racistas e xenófobos ou esperar um novo caso Alcindo Monteiro (que morreu espancado por skinheads no Bairro Alto em 1995)? 

Os dados oficiais e os dados das ruas

Segundo a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) não houve qualquer queixa relativamente aos episódios deste fim-de-semana. E registou-se apenas uma, nos últimos anos, relacionada com o Partido Nacional Renovador, em 2008, por causa de um cartaz anti-imigração. De 2005 a 2015, a CICDR recebeu um total de 759 queixas.

Mas a versão de Mamadou Ba, dirigente do SOS Racismo, aponta para outro cenário. Tem testemunhos de desacatos e ataques por parte de skinheads no Cais do Sodré — “são apenas relatos porque há poucas queixas de agressões”, nota. “Garantidamente, eles voltaram no último ano e meio. Desde que Mário Machado [ex-líder em Portugal da organização neo-nazi Hammerskin] começou a ter direito a saída precárias da prisão, que tem havido uma reaparição no espaço público, com algumas actuações violentas contra pessoas que são diferentes, nomeadamente à noite. Continuam activos. Sempre que apanho o comboio à noite, da linha de Sintra, vejo skinheads — e não se via há algum tempo.”

O PNR tem tido um discurso de distância em relação aos skinheads, e há quem, como o investigador Riccardo Marchi, defenda que essa separação é real, que o PNR jamais seria violento. Além de que “os skinheads nunca demonstraram uma estratégia política”, completa. Mamadou Ba, que esteve na manifestação, discorda: o PNR faz essa dissociação publicamente apenas porque os skinheads detidos foram acusados de mais crimes do que apenas de racismo. “Em todo o lado é comprovado que o braço armado dos partidos de extrema-direita são os skinheads. Marine Le Pen passa a vida a distanciar-se deles, mas a sua segurança é garantida por eles.”

Apesar de não ter elementos que lhe permitam provar a ligação entre PNR e skinheads, Flávio Almada, da Plataforma Gueto (associação anti-racista) diz que a verdade é que “têm muito em comum”, “jogam na mesma equipa”. Mais do que o PNR, a preocupação da Plataforma é a extrema-direita que está invisível mas infiltrada. Não tem dúvidas de que a eleição de Donald Trump deu “mais coragem” ao PNR para se voltar a mostrar em público. “Apareceram por uma questão de circunstância”, define.

Como responder com a lei?

A questão que se pode colocar é a da legitimidade de um discurso anti-imigração de forma tão vincada no espaço público, já que a Constituição o proíbe. Organizada no domingo pela Solidariedade Imigrante (Solim) e por 48 associações, “a maior manifestação de sempre” em defesa dos imigrantes, segundo o presidente da Solim, Timóteo Macedo, viu-se confrontada com a animosidade do PNR. Com um discurso anti-imigração, empunhavam cartazes com "invasão não/ façam boa viagem" e "Portugal aos portugueses", até que o vice-presidente, João Pais do Amaral, ao tentar romper o cordão policial e dirigir-se aos manifestantes, foi imobilizado pela polícia. Houve ainda o relato de um ataque a dois espanhóis que tinham T-shirts dos Black Panther, noticiou o jornal i.

Há mecanismos para proteger os cidadãos de episódios como estes. A lei contra a discriminação racial prevê contra-ordenações. Mas uma das formas de combater os ataques veiculados pela extrema-direita, nomeadamente o incitamento ao ódio racial, passa pela clarificação do que são crimes racistas, defende Mamadou Ba. Apesar de o Código Penal prever a criminalização do racismo no artigo 240, a prática tem mostrado que, tal como está, é “ineficaz”. Se o fosse, “haveria consequências para os skinheads”, argumenta. Explica: “É este passo que falta dar.”

Timóteo Macedo, que acha que falar do PNR é fazer publicidade, defende que se devem criminalizar “actos racistas e xenófobos”: “Não podemos ter um discurso de defesa de direitos humanos e depois pactuar com muros de vergonha.” Já Mamadou Ba diz que não se deve cair no erro de ignorá-los: “Em França, o que deu mais gasolina à extrema-direita foi dizer: ‘Vão falar sozinhos.’ Não há vazio na política. Qualquer atitude de condescendência cria espaço para eles.”

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