“Criámos condições para sair do procedimento por défice excessivo”

Margarida Marques foi o trinco de Portugal nas conversações para que o país não tivesse sanções sobre o défice de 2015. Agora está na expectativa de que o país saia do procedimento por défice excessivo e passe a ter um papel activo na UE.

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Governo quer alterar “mecanismos no PEC e no semestre europeu” São José Almeida, Sibila Lind

Depois da desconfiança dos primeiros tempos de Governo socialista, a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Marques, viu a atitude dos comissários europeus mudar em relação às sanções pelo défice de 2015. Um resultado que, revela, envolveu todos os eurodeputados portugueses. Agora prepara-se para que o país saia do procedimento por défice excessivo e passe a ter um papel activo que permita mudar as regras europeias.

Foi difícil chegar ao fim do processo sem sanções?
Foi sobretudo uma enorme satisfação. Foi o reconhecimento, por parte da Comissão Europeia e das instituições europeias, do esforço que tem sido feito pelo Governo português e do seu empenhamento em conjugar aquilo que são as nossas responsabilidades europeias, o nosso programa de Governo, os acordos com os outros partidos e a Constituição portuguesa.

Que balanço faz deste processo? O que é que correu bem, o que correu mal?
Correu bem, porque em primeiro lugar não tivemos sanções, quando as sanções se discutiram em Julho. Não houve suspensão de fundos estruturais e houve reconhecimento da correcção do Orçamento de Portugal para 2017. Houve também o reconhecimento do que Portugal teve acções e iniciativas efectivas que tiveram impacto no Orçamento durante 2016. Nesta fase final da nova suspensão dos fundos estruturais - que do nosso ponto de vista era algo que tinha subjacente alguma irracionalidade -, foi um trabalho que nós fizemos em articulação com todos os deputados europeus.

Nesta fase final, no Parlamento Europeu?
Encontrei-me com todos os deputados portugueses que estavam disponíveis a 5 de Setembro. E a partir daí definimos uma estratégia conjunta de diálogo entre nós, mas também de diálogo com os porta-vozes das diferentes famílias políticas na Comissão de Política Regional e na Comissão de Economia e os líderes de cada uma das famílias políticas. Falei praticamente com todos, discutindo sempre com os deputados europeus portugueses o resultado dessas conversas. Foi muito interessante, porque, por exemplo, uma preocupação que existia por parte da presidente da Comissão de Assuntos Regionais era também que a possibilidade da suspensão de fundos estruturais a Portugal e Espanha pudesse alimentar a voz daqueles que no seio da União Europeia (UE) se têm manifestado contra a existência de fundos de coesão, contra a política de coesão, ou que têm reservas relativamente a ela. Por isso, foi um exercício muito interessante do ponto de vista político, da defesa do interesse nacional, sem esquecermos o que são os compromissos europeus. E resultou. Foi um exercício claro de empenhamento de todos os deputados portugueses.

O relacionamento com todas as instituições europeias tem corrido bem? Como correram as negociações de bastidores, as verdadeiras negociações?
Eu não apoio particularmente a expressão negociação, porque não o foi propriamente, foi um diálogo desde o início deste Governo, em que procurámos explicar às pessoas que na CE têm uma responsabilidade especial em matéria de política orçamental e económica que estávamos empenhados em atingir os objectivos em matéria de política orçamental, mas tínhamos uma orientação política que tinha que inverter aquilo que tinha sido o período anterior.

Ao início houve uma grande resistência a essa perspectiva e depois amaciou.
Inicialmente havia muita intoxicação, digamos. Era uma forma política governativa que não era propriamente original no quadro da UE. Mas levava a que se olhasse com uma particular atenção e talvez inicialmente desconfiança em relação aquilo que era o empenhamento do Governo. O que é interessante ao final de um ano é verificarmos que atingimos os objectivos orçamentais em 2016, que temos um Orçamento para 2017 que foi aceite sem dificuldade por parte das instituições europeias, que foi reconhecido que nós tínhamos acção efectiva e que, na prática, criámos condições para sair do processo de défice excessivo.

Mas esse diálogo nos bastidores foi muito diferente ao início? Havia uma grande desconfiança?
Nos primeiros contactos que tive com as instituições europeias havia certas coisas que tive de repetir muitas vezes e que nós todos tivemos de repetir muitas vezes, como explicar que não tínhamos aumentado os salários da função pública. Mas eu penso que foi um percurso. Hoje relacionamo-nos com as instituições europeias com absoluta normalidade e confiança.

Quando há pouco falou em intoxicação, lembrou-se de quem?
Estava a lembrar-me, no âmbito da União Europeia, de famílias políticas que não olhavam para nós com grande simpatia.

O que pensa do papel que tiveram alguns comissários europeus que insistiram na tese de que Portugal tinha de ser sancionado, pelo menos na primeira parte do processo, até Maio, aquela parte mais dura?
Eram claramente opções ideológicas.

Portanto, era a direita da Comissão Europeia.
Exactamente. Ideológicas e restritivas de aplicação das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC). Porque teve muitos deputados do Partido Popular Europeu (PPE) e doutras famílias políticas que apoiaram a tese de que Portugal não devia ter sanções.

Comissários do PPE?
Houve um percurso e um diálogo um a um com todos os comissários. Muitos comissários do PPE apoiaram-nos a partir de determinado momento, quando a questão das sanções se colocou. De outra forma não teríamos tido uma maioria no Colégio. A começar pelo próprio presidente da Comissão Europeia, Juncker, que nos apoiou e foi ele que, na reunião do Colégio de Comissários, propôs que não fossem atribuídas sanções a Portugal. Agora na suspensão dos fundos era uma questão de inteligência. Há uma leitura política, tem que haver uma leitura política das regras. Mas essa leitura política só tem cabimento se tivéssemos respeitado os objectivos e respeitámos.

Gostou de ouvir Carlos Moedas dizer que Portugal está no bom caminho?
Claro que qualquer comissário que diga que Portugal está no bom caminho é uma satisfação para qualquer Governo.

Não diria que o pensamento de Carlos Moedas evoluiu e hoje está mais próximo do Governo? Carlos Moedas foi membro do anterior Governo.
Quando a questão das sanções se colocou, era pela não realização de acções efectivas em 2013-2015. Portanto, estava em causa um período de governação que correspondia ao período em que Carlos Moedas tinha responsabilidades.

Certo. Mas, de qualquer forma ele, neste momento, tem tido posições bastante simpáticas para o Governo.
Que alinha com a posição da própria Comissão Europeia. A Comissão Europeia apoiou quer o Orçamento português, quer não aplicar sanções, quer não suspender fundos. Carlos Moedas ao dizer isso está também a reflectir a posição da Comissão Europeia.

Em Março, Abril, espera ver Portugal sair o procedimento por défice excessivo?
Claro. Penso que tudo foi feito e tudo está encaminhado nesse sentido.

E o que é que muda a partir daí?
Muda sobretudo uma forma mais fácil de acesso ao Plano Juncker, por exemplo. E muda também uma outra dimensão que é relevante, que é nós podermos discutir designadamente as regras do PEC e colocarmos em cima da mesa a possibilidade de discutirmos as regras do PEC. Porquê? Porque nós já cumprimos. Quando nós propomos rediscutir o quadro regulamentar e sobretudo introduzir mecanismos no PEC e no semestre europeu que possam promover o crescimento económico, a criação de emprego e a retoma ao nível da União Europeia, nós temos uma autoridade para colocar essa questão em cima da mesa.

Está a anunciar que pretendem vir a colocar essa questão?
Estamos a discutir com outros países e com outros colegas a possibilidade de algumas coisas poderem ser rediscutidas, designadamente no sentido de introduzir mecanismos que possam ser promotores do crescimento e emprego e possam promover a retoma económica na zona euro.

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