"Pode um psicólogo ser católico?"

Não temos mordaças guardadas para impor aos nossos membros, mas não podemos compactuar com possíveis violações do nosso código deontológico, com implicações sérias na intervenção junto dos cidadãos.

A pergunta de João Miguel Tavares no título do seu artigo no Jornal PÚBLICO de 15/11/16 “Pode um psicólogo ser católico?“ tem uma resposta muito fácil. Sim, pode. Como também pode ser judeu, muçulmano, ortodoxo, agnóstico, ateu, de esquerda, centro ou direita. Todos os psicólogos têm crenças religiosas e políticas, bem como outras crenças acerca do mundo. Mas, uma coisa é ter crenças, outra é utilizar a sua profissão para as disseminar ou influenciar as pessoas a quem presta serviços. Particularmente porque trabalha com pessoas em situação de vulnerabilidade, e mais susceptíveis à influência de uma pessoa reconhecida como autoridade profissional.

Aquilo que parece evidente que não aceitaríamos, e consideraríamos má-prática, se um médico depois de diagnosticar uma pneumonia ao nosso filho receitasse chás, porque existem consensos científicos sobre como tratar a pneumonia, torna-se difícil de reconhecer quando se pressupõe que a homossexualidade é uma doença, e por isso sujeita a tratamento, mesmo depois de esta concepção ter sido abandonada e existir consenso científico sobre a não aplicação de terapias de reconversão para a homossexualidade.

Por isso não se trata apenas de uma questão de liberdade de expressão, como pretende fazer crer, mas de equacionar essa liberdade com as consequências do que se expressou.

Daí a enorme responsabilidade de um profissional na expressão pública das suas opiniões, porque o faz representando a profissão. Daí também a responsabilidade que tem por se manter actualizado, não propondo formas de intervenção consideradas ultrapassadas ou fora do âmbito da ciência que pratica. Não se trata apenas de expressão de opinião, mas de expressão de uma opinião válida à luz dos princípios da ciência que sustenta a sua prática.

Por isso, o psicólogo não deve fazer da sua prática um meio para passar as suas convicções, e deve estar consciente de como as mesmas podem influenciar a sua prática e prejudicar o seu paciente. E deve escusar-se de intervir quando sente que existe um conflito insanável entre as suas crenças e as do sue cliente, referindo a pessoa para outro profissional.

Mas se passarmos ao lado das indignações diárias das redes sociais, resta-nos o incêndio pessoal que João Miguel Tavares quis atear.

Preocupa-se João Miguel Tavares com o suposto silenciamento e despedimento da Dr. Maria José Vilaça, quando o que fizemos foi, responsavelmente, como compete e obriga a qualquer dirigente de um associação pública profissional, atender a qualquer queixa que exista contra um profissional, e remeter para o órgão competente para proceder a averiguação, e caso entenda sanção - no nosso caso o Conselho Jurisdicional - órgão eleito independentemente, e que não tem qualquer influência da Direcção da Ordem.

Por isso, não precisa o colunista de estar preocupado, porque existem amplas oportunidades de, no seio da Ordem, ouvir os queixosos e a pessoa alvo da queixa, expondo argumentos, ponderando razões, e decidindo se existe lugar a sanção. E mesmo assim, depois de uma sanção atribuída, continua a ser possível o recurso para os tribunais. Pode ser moroso, mas é-o porque tem as garantias asseguradas, bem expressas nos procedimentos adoptados.


Não temos mordaças guardadas para impor aos nossos membros, mas não podemos compactuar com possíveis violações do nosso código deontológico, com implicações sérias na intervenção junto dos cidadãos. E depois veremos, para citar João Miguel Tavares, “que argumentos tens para defender tamanha parvoíce?”

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