Ryan confirmado líder republicano, partido empenhado em evitar guerra civil

Apoiado pelos republicanos na Câmara dos Representantes, Ryan garante que conta também com o apoio do Presidente eleito. Democratas planeiam explorar diferenças entre liderança dos rivais e Trump.

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Ryan e o líder da maioria na Câmara dos Republicanos, Kevin McCarthy, na conferência de imprensa desta terça-feira Yuri Gripas/AFP

Como esperado, Paul Ryan foi confirmado pelos colegas republicanos na liderança da Câmara dos Representantes, tornando-se assim no principal parceiro legislativo do Presidente eleito, Donald Trump. Se Trump não foi um candidato consensual entre o Partido Republicano, Ryan também não é um speaker do agrado de todos. Muitos, principalmente os apoiantes de Trump desde a primeira hora e os mais conservadores entre os conservadores, estão prontos para tolerá-lo, não mais do que isso.

“Bem-vindos ao início de um novo governo republicano unificado”, afirmou Ryan, ainda antes da votação, depois de um encontro com o vice-presidente eleito, Mike Pence, onde este lhe terá dito que ele e Trump “apoiam a liderança [no Congresso] e estão ansiosos por trabalhar juntos”.

Quem apoiou Trump quer ver mudanças na forma de fazer política em Washington e quando o Presidente eleito criticava o establishment estava a dizer mal precisamente de políticos como Ryan. Este, por seu turno, nunca escondeu as reticências em relação ao candidato que bateu Hillary Clinton há uma semana, obrigando-o a esperar semanas antes de lhe declarar o seu apoio e garantindo que nunca o encontrava na campanha.

“Ainda não o ouvi dizer o que é que quer mudar – o que é que vai ser diferente nos próximos dois anos em relação aos dois anteriores”, diz, citado pela Reuters, o republicano Raúl R. Labrador, do Idaho, co-fundador do radical Caucus Liberdade da Câmara dos Representantes. Este grupo opõe-se à liderança de Ryan mas decidiu não avançar com um candidato próprio.

“Claramente, o momento para avançar com uma agenda republicana é agora. Esta não é a altura para termos uma guerra civil”, resume outro republicano, Kevin Cramer, do Dakota do Norte. “O nosso foco mudou [com as eleições], agora queremos garantir que temos um bom plano para apoiar as iniciativas importantes para os americanos”, afirmou na segunda-feira Mark Meadows, do mesmo estado que Cramer, membro do Caucus da Liberdade. “Desde que a actual liderança esteja disposta a fazer isso, estamos mais preocupados com as políticas e as componentes legislativas do que com o seu controlo.”

A ameaça implícita mantém-se e não vai desaparecer: se Ryan divergir muito de Trump, há uma parte dos republicanos prontos para o desafiar e, se necessário, para o afastar da liderança. Trump é impulsivo, Ryan é moderado e pragmático. Há mais a separá-los do que a uni-los, quer pensemos em propostas políticas quer nos detenhamos no estilo.

Trump quer construir um muro em grande parte da fronteira com o México e deportar “até 3 milhões” de imigrantes sem documentos, enquanto Ryan defende reformas da imigração; o Presidente eleito quer renegociar ou enterrar os acordos de comércio livre, enquanto Ryan defende que para aumentar a competitividade dos EUA o que é preciso é mudar o código fiscal. Trump propõe limitar o número de mandatos no Congresso, algo que nunca contará com o apoio dos legisladores – “Digo que já temos limites. Chamam-se eleições. Isso não estará na agenda do Senado”, afirmou, um dia depois das eleições, o líder da maioria no Senado, Mitch McConnell.

Outra questão a separar Trump de Ryan é o gigantesco investimento em infra-estruturas que o candidato defende e que Ryan considera um plano demasiado dispendioso.

Unidos, podem muito

Por outro lado, com as maiorias na Câmara e no Senado a juntar-se à Casa Branca, os republicanos estão à beira de poder aprovar mudança de grande alcance e, caso Trump e Ryan se consigam entender, há poucos limites para o que podem alcançar. Do desmantelamento do Obamacare (a lei dos cuidados de saúde acessíveis para todos) a cortes fiscais generalizados, passando pelos cortes na despesa com que Ryan sempre sonhou e pelo fim das políticas e regulações energéticas de Barack Obama.

Nos próximos meses não se esperam votações significativas. A única legislação importante que deverá ser aprovada até à tomada de posse é a 21st Century Cures, que aumenta o financiamento da medicina moderna, apoiada pelos republicanos e pela Casa Branca, e que incluiu o projecto promovido pelo vice-presidente, Joe Biden, na sequência da morte do seu filho, que tinha cancro no cérebro. Com Clinton na Casa Branca, Obama avançaria com a nomeação de Merrick Garland para o Supremo Tribunal e com a votação da Parceria do Trans-Pacífico, o grande acordo de comércio livre que o ainda Presidente negociou e que Trump rejeita.

Neste cenário, o que é urgente é evitar que a Administração fique sem dinheiro para funcionar (o actual financiamento acaba a 9 de Dezembro), através da negociação de um projecto para financiar as agências federais até ao próximo ano. Ainda não existe um acordo entre republicanos e democratas, mas os primeiros estão convencidos que conseguirão levar a sua avante e aprovar a proposta que apresentarem.

Aos democratas, afastados da Presidência e em minoria no Congresso, resta tentar explorar as inevitáveis diferenças entre Trump e Ryan, das políticas fiscais ao investimento em infra-estruturas.

“Temos de o obrigar a cumprir a promessa de acabar com as medidas que só ajudam os ricos [planeamento fiscal agressivo, formas de fugir aos impostos]”, diz a senadora Debbie Stabenow (Michigan), aliada próxima de Chuck Shumer, que se espera seja eleito líder dos democratas no Senado, já na quarta-feira. O sucesso da estratégia democrata dependerá em muito da capacidade de Ryan negociar com Trump, mas ao partido de Obama resta, como diz Stabenow, forçar “o Presidente Trump a avançar com as suas prioridades”.

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