As minhas são melhores do que as tuas

O sol do Algarve não vale só para fazer a multiplicação do número de turistas. Na produção de citrinos e bivalves, o sabor “português” distingue-se, também, pelas condições naturais das terras do Sul.

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Mudam a etiqueta do produto, sobem o preço — é o que acontece às amêijoas e laranjas do Algarve quando atravessam a fronteira do Guadiana. “Eles [os espanhóis] andam por aí”, diz o comerciante de bivalves Augusto da Paz, em Olhão, referindo-se aos compradores estrangeiros. Dentro de duas a três semanas, com o aproximar dos festejos natalícios, prevê, não há amêijoa-boa da ria Formosa que chegue para a procura. Não será por acaso que tem esta designação “Não há amêijoa como a nossa, a algarvia”, enfatiza o empresário com dezenas de anos de experiência no negócio de marisco. Com a laranja D. João, muito parecida com a sua congénere espanhola Valência Late, os citricultores dizem o mesmo aos vizinhos de Andaluzia: “A minha é melhor do que a tua.” 

A região algarvia (ria Formosa e Alvor) produz entre 80 e 90% da amêijoa-boa portuguesa. O preço actual, ao produtor, anda pelos 10 euros/quilo. Porém, quando chega aos mercados de Barcelona ou Madrid — depois de mudar de denominação de origem, ao passar a fronteira —, “pode atingir entre 40 a 60 euros/quilo”. A valorização, explica Augusto da Paz, “deve-se ao facto de o produto deles não ter esta qualidade”. O que existe em Espanha, explica, é a amêijoa-japonesa, tal como se verifica no estuário do Tejo e na ria de Aveiro.

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A região algarvia (ria Formosa e Alvor) produz entre 80 e 90% da amêijoa-boa portuguesa

Quando se aproxima a época natalícia, é a Olhão que chegam os compradores de bivalves que vêm de Espanha. O número de armazéns de venda de marisco nesta cidade ronda a dezena, mas as transacções fora dos circuitos formais são muito superiores ao que é declarado. Por isso, a resposta à pergunta — quantas toneladas de amêijoa produz a ria Formosa? — é vaga: “Milhares de toneladas.”

Helena Silva, técnica do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), observa: “Estima-se que a relação será de um para dez”, afirma, referindo-se ao mercado paralelo.

Augusto da Paz defende a “legalização” dos viveiristas e mariscadores, mas acrescenta que o sistema já permite enquadrar, pagando impostos, quem faz uns biscates na pesca, como forma de complemento salarial ou sobrevivência.

Sobre a qualidade dos bivalves, a investigadora do IPMA reconhece: a “amêijoa-boa é valorizada pelo mercado”. Sobre a amêijoa-japonesa, Augusto da Paz diz: “Bem vistas as coisas, a ‘japonesa’ não tem pátria, porque está a aparecer por quase todo o lado.”

O filho de Augusto, Hélder da Paz, chega com três, cinco quilos de bivalves, acabados de apanhar no viveiro. “Estão um pouco miúdas”, observa o comerciante, pagando a dez euros por cada quilo. Henrique Estêvão, da Federação dos Sindicatos do Sector da Pesca, sublinha a qualidade a produto: “Nós, aqui em Olhão, só temos amêijoa-boa e não queremos outra.” O comerciante agradece a achega no elogio ao produto, lembrando que estiveram ambos na criação da cooperativa Formosa, de que Augusto é fundador, destinada a “valorizar” os produtos da ria Formosa. Ambos já não fazem parte da estrutura associativa. 

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A laranja D. João e a Valência Late (esta de origem espanhola) são semelhantes no aspecto mas ganha a variedade portuguesa no sabor e sumo como garante Pedro Madeira, gerente da Frusoal

Saltando da ria para o campo, repete-se o discurso: “A minha é melhor do que o tua”, dizem em relação à laranja, quando falam com os espanhóis. A variedade D. João, que chega na época estival, não apresenta grande diferença em relação à Valência Late, de origem espanhola. “São semelhantes no aspecto, mas a D. João muito melhor no sabor e sumo”, refere Pedro Madeira, gerente da Frusoal – Frutas do Sotavento do Algarve, Ldª., que nos informa que esta é a variedade mais procurada pelos espanhóis. A empresa, com uma produção anual na ordem das 25 a 30 mil toneladas, exporta cerca de 20%. Por causa da procura desta variedade, a Frusoal plantou mais 100 hectares. “É mais doce do que a espanhola e aguenta-se na árvore até ao Outono”, justifica.

Os citrinos algarvios gozam do estatuto de Denominação de Origem Protegida (DOP), mas ao passarem para o lado de lá do Guadiana mudam o bilhete de identidade. “Não há nada que impeça o comprador de mudar as caixas”, diz Pedro Madeira, lembrando que são os “espanhóis que dominam o mercado europeu dos citrinos, e, quando a fruta chega aos pontos de venda, perde a denominação de origem, se for do interesse do vendedor”.

Pedro Madeira comenta ainda que as cerca de 300 toneladas anuais produzidas no Algarve “não passam de uma gota de água” no mercado global, onde Marrocos e África do Sul também entram no jogo.

Martins Oliveira, administrador da Cooperativa Agrícola de Citricultura do Algarve — Cacial, confirma a tese da preponderância dos vizinhos: “Estão no mercado há muitos anos e são melhores na apresentação do produto”, admite. Porém, não deixa de salientar o produto nacional. “Quem bebe um sumo natural [feito com laranja D. João] distingue facilmente a diferença.” Já no que diz respeito ao aspecto exterior da fruta, à primeira vista, admite, “o consumidor terá tendência a jogar a mão primeiro à espanhola, porque tem uma pele mais bonita, mais bem tratada”.                

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