Lima Barreto é o escritor homenageado da próxima FLIP

O autor de Triste Fim de Policarpo Quaresma ainda hoje é dos poucos negros que tiveram consagração nas letras brasileiras.

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Afonso Henriques de Lima Barreto (1881- 1922) será em 2017 o autor homenageado da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) dr

Acabou o suspense. O escritor brasileiro Afonso Henriques de Lima Barreto (1881- 1922) será em 2017 o homenageado da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP). O autor de Triste Fim de Policarpo Quaresma, que construiu uma das obras “mais plurais e inovadoras” da literatura brasileira, “ainda hoje é dos poucos autores negros que tiveram consagração” no país, como explica ao PÚBLICO a nova curadora do evento, Joselia Aguiar.

A escolha não é uma grande surpresa. Em Julho passado, na sessão Livro de Cabeceira, que encerra todos os anos aquela que é a mais importante festa literária brasileira e em que os autores convidados lêem excertos de um livro que os marcou, o escritor brasileiro João Paulo Cuenca revelou ter “ouvido falar” que era possível que Lima Barreto, “um negro de origem humilde”, viesse a ser o homenageado na próxima edição e leu um texto do seu livro Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909).

Na altura, ouviram-se na tenda algumas palmas. A verdade é que desde 2013 se fala nessa hipótese. Foi nesse ano que a tradutora Denise Bottmann e a jornalista Joselia Aguiar, curadora da FLIP desde Outubro, lançaram um abaixo-assinado a defender essa escolha.

“Afonso Henriques de Lima Barreto é um dos principais autores do começo do século XX no Brasil. Foi um contemporâneo de Machado de Assis – de algum modo era sua contraparte na cena cultural da época, só que sem conseguir hábil inserção no meio social ou literário”, explica Joselia Aguiar.

Escreveu romances, contos, diários e crónicas em jornais e revistas, alguns de orientação anarquista. Entre as obras mais conhecidas, além dos romances já citados, encontram-se contos como O homem que sabia javanês e Nova Califórnia e também os textos que escreveu após as temporadas no hospício, reunidos em Diário Íntimo e Cemitério dos Vivos (disponíveis só em edições brasileiras).

Tinha nome de rei, Afonso Henriques, lembra a curadora brasileira, e descendia de portugueses e de ex-escravos africanos que viviam no Rio de Janeiro. A sua mãe era professora e o pai tipógrafo. A primeira morreu quando ele tinha seis anos, o segundo foi internado como esquizofrénico e, por isso, Lima Barreto viu-se obrigado a tomar conta da família.

“Teve a melhor formação possível graças à ajuda de um padrinho. No entanto, o facto de ser negro, segundo ele mesmo acreditava e também os seus estudiosos, dificultou a sua afirmação como escritor. Sua trajectória foi portanto construída à margem”, acrescenta a curadora da FLIP.

Mais tarde, por causa do alcoolismo, passou duas temporadas num manicómio. Morreu sem completar 42 anos, em 1922, pouco antes da Semana de Arte Moderna de São Paulo.

“Tinha uma linguagem coloquial, e era observador muito crítico das convenções sociais e da República, que via como um conchavo entre militares e aristocracia. Comprou briga com um dos principais jornais da época e teve, por isso, seu nome banido por muito tempo”, explica Joselia.

A curadora lembra que, em torno da vida e obra de Lima Barreto, há grandes temas que poderão ser discutidos na próxima FLIP: “o poder e a estrutura social brasileira, o preconceito de cor, uma certa visão de Brasil, a imprensa, as trajectórias que estão à margem, as intersecções entre literatura e política, literatura e loucura, a cidade e seu habitante”. 

 

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