Legislação que aperta a regulação financeira será das primeiras a cair às mãos de Trump

Bancos já estão a assinalar os ganhos com o presumível alívio das malhas da regulação financeira, e com o fim do chamado "Dood-Franck Act". Regulador alemão teme uma nova crise financeira.

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AFP/SPENCER PLATT

Donald Trump deixou muitas críticas às políticas levadas a cabo pela Administração Obama, e, durante a campanha, fez ainda mais promessas de que as iria revogar. Há uma que o sector financeiro já começou a dar como certa: a intenção de rasgar em pequenos pedaços a legislação proposta pela Administração Obama na sequência da crise financeira que varreu o mundo, a partir dos Estados Unidos, em 2008. Trata-se da lei que apertou as malhas à regulação financeira e limitou, por exemplo, a actividade de muitos consultores de investimento. A lei afectou todos os reguladores financeiros federais e criou várias agências de defesa do consumidor.  

Essa lei ficou conhecida como "Dodd-Franck Act", e entrou em vigor em 2010. Agora o sistema financeiro, não só o americano, como o mundial, já começa a preparar-se para a ver desintegrar-se. Não é certo que haja uma revogação completa, e até porque tudo terá de passar pelo Congresso, mas para já os actores do mercado financeiro começam a ler os sinais e a transformá-los em certezas.

Um dos sinais de que esta matéria será uma prioridade é a notícia de que Trump está a considerar chamar para a sua equipa, para secretário de Estado do Tesouro, um dos mais ferozes críticos daquelas medidas (e que chegou a conceber uma alternativa “desregulatória” àquele pacote legislativo: o republicano Jeb Hensarling, eleito pelo Texas, e que no Congresso está à frente da comissão responsável por legislar e monitorizar a regulação dos mercados financeiros.

Resultado destas previsões: as acções da banca sobem e as preocupações dos reguladores disparam. O índice que agrega o comportamento da banca nos mercados financeiros, o KBW Nasdaq Bank, está a valorizar-se 12% nos últimos 12 meses, um crescimento que duplica aquele que regista o índice que agrega as 500 maiores empresas – o Standard&Poors 500, que cresceu 6,04%. A valorização da Wells Fargo e do Bank of America, por exemplo, atingiu os 5,3%, uma amplitude que não era conseguida desde 2012.

A contrastar com esta animação no sector da banca e das instituições financeiras estão as preocupações já manifestadas por alguns reguladores, sobretudo na Europa. Felix Hufeld, que preside ao principal regulador financeiro alemão – o Bafin – chamou a atenção para a possibilidade de uma nova crise financeira. Citado pela Reuters e em afirmações que fez durante uma conferência sobre indústria, Hufeld não chegou a mencionar o nome Trump, mas também não foi preciso. “Sensivelmente dez anos depois do início da crise, voltamos a ouvir os pedidos para se aliviar a regulação do sector. E isto tem os seus riscos”, alertou, argumentando que, “tal como a indústria”, a política e os reguladores “precisam de previsibilidade e de continuidade – e não de volatilidade regulatória”.

Num documento que publicou no início deste mês, ainda antes da eleição de Donald  Trump, o presidente da Comissão de Mercados de Valores Mobiliários (CMVM), Carlos Tavares, fez um exercício de análise em que se debruça sobre as lições que o mercado aprendeu com a crise de 2008. Tavares recorda que a crise surgiu “na sequência de um endividamento galopante e desligado da evolução real das economias, a par de uma inovação financeira descontrolada e da tomada excessiva de riscos”. E que se convencionou que a solução para evitar novas crises deveria passar por cinco grandes medidas: que os bancos deveriam ser mais pequenos e mais simples; que o excesso de crédito impunha um processo de desalavancagem; que os mercados deviam ser mais regulados e mais transparentes; que os produtos financeiros deveriam ser mais simples e de características bem conhecidas dos investidores; e, por fim, que seriam necessárias melhores avaliação e gestão dos riscos.

No documento, Tavares escalpeliza cada um dos pontos para concluir que hoje em dia é possivel encontrar situações “preocupantemente paralelas”. “A verdade é que não há bons modelos que resistam às más pessoas… E é por isso que todos – mas mesmo todos – os que têm responsabilidades nos mercados financeiros não devem cansar-se de formular e procurar a resposta para a simples pergunta: aprendemos com os erros passados?” Carlos Tavares pensa que não.

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