Há uma padaria onde, além de receitas tradicionais, se amassam melhores futuros

A padaria social Pão com História é um projecto da associação Pressley Ridge e acolhe, no mesmo espaço, aprendizes da indústria da panificação e crianças desfavorecidas para dar melhores perspectivas de futuro, pessoal e profissional, a ambos.

Fotogaleria
Miguel Manso
Fotogaleria
Miguel Manso

Há uma nova padaria em São João do Estoril onde não se vendem apenas bolos e pão. Por trás do balcão, amassam-se novas perspectivas para todos os que ali chegam vindos de contextos desfavorecidos e que ali encontram, no caso dos adultos, uma oportunidade para trilhar uma profissão ou, no caso das crianças acolhidas em actividades de tempos livres, a acreditar que é possível quebrar o ciclo de pobreza de onde provêm. 

Na Pão com História, na rua Cônsul Aristides de Sousa Mendes, vendem-se as receitas tradicionais - as carcaças, as bolas, o pão de Mafra, etc. Mas também se encontram novidades que estão, aos poucos, a conquistar espaço na dieta nacional. Aqui, chamam-lhes “pães com história” e são já quatro: o pão de tomate e orégãos, pão de abóbora, de alfarroba e de cereais. Ah, e o mais especial, o “pão do Chef”, com couve lombarda. A ideia é do padrinho da padaria, o chef Rui Paula, e vai começar a ser vendida ao público a partir de segunda-feira.

Mas Rui Paula não cedeu apenas a receita deste pão gourmet. Ao ser convidado pela associação Pressley Ridge para abraçar o projecto, viu nele um exemplo: “A sociedade é isto mesmo, é um dar e receber, e aqui na padaria eles dão a hipótese de as pessoas aprenderem este ofício e desenvolverem capacidades, e depois integrarem o mercado de trabalho”. E mostra-se de braços abertos para receber os aprendizes que, depois dos três meses de estágio, queiram continuar o ofício. Os restaurantes do chef são possíveis destinos, bem como os da Eurest, outro colaborador de peso do projecto.

Para que a padaria deixasse de ser uma ideia abstracta e chegasse à realidade foram necessários os fundos conseguidos com os prémios ganhos pela Pressley Ridge em concursos internacionais. O maior foi o atribuído pelo Barclays na comemoração do seu 325º aniversário. Além destes prémios, o projecto contou com o apoio da câmara de Cascais. Carlos Carreiras, presidente da autarquia, considera que a iniciativa revela como o empreendedorismo dos cidadãos pode ser fundamental nestes tempos: “Estes períodos de crise com que temos lidado são como um tsunami, que começou por ser económico e entretanto tornou-se social. E a minha função é ser ‘descomplicador’: se a ideia é boa, vamos apostar nela”.

Os aprendizes que irão integrar a equipa da padaria são do Centro Paroquial de Carcavelos e do Centro de Formação Profissional de Alcoitão. Para já, estão duas no atendimento ao público e, a partir de Janeiro, juntam-se mais dois ou três na cozinha, onde Paulo e Álvaro, os padeiros, esperam por eles.

Esperança e Filipa são as duas aprendizes que estão agora ao balcão da padaria. Esperança tem 38 anos e vem de um contexto familiar complicado, que a prejudicou pessoal e profissionalmente, levando-a a abandonar o trabalho que antes tinha e a chegar ao desemprego, onde esteve quatro anos. Inscreveu-se no Centro Comunitário de Carcavelos e foi através dele que a Pão com História surgiu como uma hipótese para recomeçar do zero. Não tinha experiência na área da panificação mas agora já crescem as expectativas. “Vi neste projecto uma oportunidade e, depois de fazer a formação aqui, vou tentar arranjar emprego”. Filipa, 39 anos, também soube da padaria pelo centro de Carcavelos e, apesar de já ter formação na área social, não quis perder a oportunidade de diversificar os conhecimentos. “Sou mãe solteira, tenho um filho com uma deficiência e não tenho apoios para ele. Esta é uma grande oportunidade para conseguir dar um passo maior”.

Mas esta história também passa pelas crianças, que também encontram na padaria um apoio. Kátia Almeida, directora do Pão com História e da associação Pressley Ridge em Portugal, explica que o Clube das Crianças, o espaço infantil para miúdos dos seis aos 12 que se segue à área do atendimento e à cozinha da padaria, surgiu com o intuito de estimular a vontade de aprender entre os mais novos de forma a incentivar a que se mantenham na escola: “Temos verificado que há crianças presas nos ciclos de pobreza, nos ciclos de desemprego crónico das suas famílias e que levam a uma maior propensão para o abandono e o absentismo escolar porque os miúdos perdem o interesse por aprender e a esperança para o futuro. E o que queremos no Clube de Crianças é precisamente estimular estas crianças para a aprendizagem”. A literacia emocional vai ser o foco, através do método Lego Serious Play, “uma metodologia desenvolvida pela Lego em que se usa a construção com peças para trabalhar uma série de dimensões da literacia emocional, ‘aprender fazendo’”, acrescenta.

Além disso, ter o Clube das Crianças lado a lado com a padaria vai proporcionar às crianças a possibilidade de assistirem à dinâmica do mercado de trabalho. “Nos meios mais vulneráveis com que temos lidado, temos visto que a maioria das profissões com que as crianças convivem são dos técnicos que trabalham em organizações sociais da zona, ou os professores, e pouco mais. Entre as pessoas com quem convivem, assistem a situações de emprego precário ou actividades transitórias", alertou Kátia Pereira. "Assim, ao terem pessoas da sua comunidade a serem aprendizes aqui e verem depois o resultado desse esforço que é ter uma profissão e mantê-la ao longo do tempo, faz com que acreditem que vale a pena estudar e aprender, porque há esperança para o futuro”.

Texto editado por Ana Fernandes

Sugerir correcção
Comentar