Planos incertos de Trump agitam frágil economia mundial

Mais investimento público e proteccionismo, menos estímulos monetários e impostos. A capacidade de Trump passar à prática o seu programa económico gera dúvidas, o que só por si tem o potencial para agitar uma economia mundial ainda a sair da crise.

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Mario Draghi, no BCE, e Janet Yellen, na Fed poderão ser os primeiros a sentir o efeito Trump na economia Reuters/DAVID STUBBS

As bolsas começaram por cair e depois subiram, o dólar tremeu, mas acabou por estabilizar, o ouro - o activo preferido de quem tem medo da incerteza - foi alvo de muitas compras no início do dia, mas depois acabou por voltar ao lugar. Os mercados internacionais, no primeiro dia a seguir ao resultado que quase ninguém previa, não conseguiram dar uma resposta a uma das perguntas que saíram das eleições nos Estados Unidos: o que pode significar uma presidência Trump para a economia mundial?

Aparentemente, quase tão difícil como prever a vitória de Donald Trump nas eleições, é agora tentar antecipar qual o impacto económico da sua presidência. Isto explica-se principalmente pelo facto de as propostas que foram apresentadas na campanha eleitoral serem tão ambiciosas e tão pouco testadas pela experiência que fazem disparar as dúvidas sobre as suas verdadeiras implicações e sobre se existirá mesmo vontade e capacidade do próprio presidente eleito para as passar à prática quando assumir o cargo.

Os mais pessimistas, como Paul Krugman, não têm mesmo assim problemas em arriscar que aquilo que irá acontecer é “uma recessão à escala global”, resultado da combinação de um presidente mal preparado a nível económico, com o actual cenário de grande fragilidade na economia mundial. “Em quaisquer circunstâncias colocar um homem ignorante e irresponsável que recebe os seus conselhos de todas as pessoas erradas à frente da mais importante economia mundial seria uma notícia muito má. Mas o que torna isto especialmente mau neste momento é o estado fundamentalmente frágil em que uma grande parte do mundo ainda está, oito anos depois da grande crise financeira”, escreveu o prémio Nobel, declarado apoiante de Hillary Clinton, no The New York Times.

Este tipo de efeito mais imediato na frágil economia mundial irá depender, é claro, da reacção dos mercados e do efeito na confiança de consumidores e investidores à escala mundial. Para já, passado apenas um dia, não é ainda evidente o que irá acontecer a este nível, mas uma das consequências possíveis é, logo no curto prazo, uma mudança de política por parte dos grandes bancos centrais mundiais.

Se antes das eleições, a grande maioria dos analistas estava à espera que na sua reunião de Dezembro, a Reserva Federal norte-americana voltasse a subir as suas taxas de juro, agora, essa percentagem desceu para pouco mais de 50%, apostando-se cada vez mais que Janet Yellen e os seus pares não vão querer contribuir para um aumento do nervosismo nesta fase de mudanças.

No Banco Central Europeu, por seu lado, um cenário em que a Fed não sobe taxas e o euro se volta a apreciar face ao dólar, pode forçar Mario Draghi a reforçar a sua política de estímulos, com um reforço do seu programa de compra de activos ou uma nova descida de taxas.

Uma nova Fed?

Para além destes impactos imediatos, o que sobra a seguir depende da forma como Donald Trump irá passar efectivamente à prática o seu plano para a economia.

A nível orçamental, a ideia exposta pelo novo presidente na campanha foi o lançamento de um enorme estímulo orçamental. Em primeiro lugar através de um programa de investimento na construção de infraestruturas com um custo que Trump disse ser “pelo menos o dobro” dos 275 mil milhões de dólares que eram planeados por Clinton. E a este valor devem juntar-se ainda 137 mil milhões em créditos fiscais a atribuir às empresas que participem nesse investimento.

Em simultâneo, Trump promete um enorme desagravamento fiscal para os americanos, através de uma “simplificação” do imposto sobre o rendimento das famílias, que inclui cortes nos impostos para todos os escalões, dos mais pobres aos mais ricos. Às empresas também foi prometido um desagravamento fiscal, com a descida do IRC de 25% para 15%.

A dúvida, é claro, salta à vista: como é que irão ser pagos estes novos investimentos e cortes nos impostos? O plano de Donald Trump passa por fazer da economia norte-americana “a mais dinâmica do mundo”, e algumas instituições, como o Committee for a Responsible Federal Budget, estimam que a aplicação destas medidas conduziria a um agravamento da dívida pública dos EUA de 5,3 biliões de dólares.

Este é um cenário que deve assustar particularmente o Partido Republicano, que sempre mostrou uma grande aversão à aplicação de estímulos orçamentais e que, no Congresso, colocou muitos entraves à Administração Obama colocando obstáculos a um aumento da dívida. Irá Donald Trump ser capaz de os convencer a deixar passar esta política?

Mais mudanças substanciais podem ser esperadas na política monetária, mesmo a médio prazo, embora o caminho a seguir também seja incerto. Durante a campanha, Donald Trump tanto disse que era “uma pessoa que gosta de taxas de juro baixas”, como acusou a presidente da Reserva Federal de manter as taxas de juro artificialmente baixas para ajudar a Administração Obama.

Aquilo que é considerado mais provável é que Trump substitua Janet Yellen (que termina o seu mandato em Fevereiro de 2018, mas pode optar por sair mais cedo) por alguém que alinha mais pela ideia do Partido Republicano de que os estímulos monetários estão a ser excessivos e a prejudicar os aforradores. Um cenário deste tipo teria repercussões em todo o mundo.

Depois há a política comercial dos Estados Unidos. Trump atraiu muitos eleitores em Estado decisivos com as suas críticas à abertura de fronteiras aos produtos produzidos no estrangeiro. Com a mudança na Casa Branca, as hipóteses de sobrevivência dos acordos transatlânticos dos Estados Unidos com a Europa e a Ásia parecem muito reduzidas, levando alguns economistas a pré-anunciar o advento de uma nova era de proteccionismo, mais uma vez com consequências muito significativas para o resto do mundo e com a Europa na linha da frente. Mais uma vez, a grande dúvida aqui é como é que o Congresso liderado por Republicanos encara uma política deste tipo.

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