“Não vamos lutar contra reivindicações que estão a ser correspondidas”

Arménio Carlos diz que a direita está a tentar que alguém "avance de forma desordenada para a luta". E diz-se tranquilo: "Ficávamos mais preocupados se dissessem que a CGTP era uma correia de transmissão do PSD ou do CDS."

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“Não vamos lutar contra reivindicações que estão a ser correspondidas” São José Almeida, Raquel Martins, Sibila Lind

O líder da CGTP rejeita que haja submissão ao Governo e explica que a central não pode lutar contra medidas que reivindicou. Mas deixa um aviso ao primeiro-ministro: “Esta fase está a ficar esgotada.”

 

No congresso de Fevereiro, disse que a CGTP iria ter uma intervenção diferente da que teve no Governo do PSD-CDS e que não ia pôr em causa aquilo que estava a nascer na AR. Significa que a CGTP que sai à rua para reivindicar está de férias?

Como naquela altura também tive oportunidade de dizer, não só não está de férias como continua muito activa. Assistimos, há um ano a esta parte, a uma alteração que não digo global, mas parcial, na nossa opinião ainda tímida. Há reposição de alguns salários, há reposição de algumas pensões. Então o movimento sindical vai lutar contra aquilo que reclamava e que agora está a ser reposto? Não.

 

A imagem que passa é de que há uma certa paz social e sindical que advém da necessidade de paz política. Essa imagem pública de que a CGTP amansou, que está comprometida com a maioria parlamentar não o preocupa?

Não, porque nós só estamos comprometidos com medidas legislativas que correspondam às nossas reivindicações. Portanto, nós não fazemos a luta pela luta, como alguns nos acusavam anteriormente. Nós não vamos lutar contra reivindicações que apresentávamos e que agora estão a ser correspondidas. Agora, não deixaremos de lutar contra medidas que na nossa opinião são injustas e precisam de ser tratadas. Na iniciativa privada temos um conjunto muito vasto de lutas que neste momento se estão a desenvolver em torno da melhoria dos salários, da defesa da contratação colectiva, da questão dos horários de trabalho, da melhoria das condições de trabalho, etc. Mas mesmo em relação à administração pública, não se pode esquecer, nem muito menos omitir, a luta que alguns trabalhadores estão a fazer. A dos enfermeiros, para a reposição das 35 horas para todos, sem excepção. As movimentações dos trabalhadores não docentes, para exigir a reposição do número de trabalhadores suficientes para que as escolas possam funcionar. Olhe, a manifestação que já está convocada pela Frente Comum.

 

Para dia 18.

Para dia 18 de Novembro. Lá estaremos. Portanto, a CGTP não abdica da sua autonomia e da sua independência, independentemente do Governo que estiver no poder, e independentemente de qualquer maioria que se verifique na Assembleia da República. Agora, repito, nós não somos tolos. E também sabemos porque é que a direita neste momento está empenhada em procurar lançar esta ideia. Primeiro, tem um objectivo que é procurar descredibilizar o movimento sindical, [dizer] que nós só lutávamos contra uns. Lutávamos contra o PSD-CDS e também contra os governos do PS. Não há nenhuma linha de alteração relativamente à concepção de intervenção da CGTP em todos estes processos, seja com que Governo for. E a segunda é para procurar eventualmente acirrar algumas movimentações menos pensadas para que um ou outro subsector, uma ou outra empresa, pura e simplesmente, avance de forma desordenada para a luta. Não, quem decide as lutas nunca serão aqueles que estão fora da CGTP, mas os que fazem parte integrante da CGTP, os seus dirigentes e fundamentalmente os trabalhadores, porque não há lutas sem trabalhadores. São eles que decidem.

Quais são os principais riscos que podem levar a que a legislatura não chegue ao fim?

Há dois riscos. O primeiro é aquele que depende da confrontação ou não com os problemas estruturais que neste momento temos. Estou a falar da dívida. Temos oito mil milhões de euros de encargos dos juros a dívida que é o dobro daquilo que está previsto no Orçamento do Estado para o investimento público. Isto são factos. Isto tem de ser tratado. Enquanto isto não for tratado, não vamos sair do mesmo problema — isto pode durar um ano, dois anos, mas se isto não for resolvido, o país não consegue crescer. O segundo problema que temos de tratar é o défice. Esta obsessão pela concretização da redução do défice nunca é tratada com a redução da despesa supérflua. Quando é preciso reduzir despesa onde é que se corta? Nos trabalhadores, nos salários e nos direitos dos trabalhadores, nos serviços públicos. Quando ao lado temos despesa que não é tocada. Vou dar um exemplo: as parcerias público-privadas. E porque é que temos de tratar também deste problema, porque a taxa média que nós aferimos das rendas que são pagas às empresas privadas são de 8%. Qual é o banco que paga 8%? Só se for o Estado. Mas temos outro exemplo, as centenas de milhões de euros que se vão gastar ou que se têm gasto na contratualização de serviços ao exterior. Muitos desses serviços não podiam ser prestados por trabalhadores da administração pública? Se juntarmos isto tudo, estamos a falar de dezenas de milhares de milhões de euros. Isto pode ser feito. Tem um problema apenas, implica confronto com aqueles que têm poder. Ou temos coragem de dizer que é tempo de mudar ou então vamos continuar a ter o país refém da ditadura do défi ce e da opressão da dívida que impede o desenvolvimento económico e social.

 

Esta entrevista lembra-me a frase de que a CGTP é a correia de transmissão do PCP. Como vê hoje essa frase? Considera-a ofensiva? Acha só ridícula?

Essa é uma frase que faz parte do tempo da guerra fria e de que a direita jamais vai abdicar de utilizar sempre que está em dificuldade e sempre que vê nos sindicatos e nos trabalhadores que são envolvidos nas lutas pela CGTP problemas para os seus interesses. Nós respondemos perante os compromissos que assumimos no XIII Congresso. Portanto, pela nossa parte podem continuar a dizer aquilo que quiserem, não nos perturbam rigorosamente nada. E já agora, ficávamos mais preocupados se dissessem que a CGTP era uma correia de transmissão do PSD ou do CDS.

 

É membro do Comité Central do PCP. Vai ao XX Congresso?

Vou.

 

Como vê os elogios que são feitos à CGTP no projecto de resolução política do PCP?

Com toda a naturalidade e com prazer. Qualquer partido de esquerda, que seja verdadeiramente de esquerda, não pode deixar de valorizar o papel que os trabalhadores e os sindicatos tiveram ao longo dos últimos anos. Tudo aquilo que nos move, neste momento, é a procura de resultados. Conseguimos alguns resultados com a nossa intervenção no passado, particularmente o esvaziamento da base eleitoral do PSD e do CDS, que não foi de somenos importância no quadro que nós temos.

 

Considera isso uma conquista da CGTP?

Consideramos que é uma conquista das trabalhadoras, dos trabalhadores e da população portuguesa com as sucessivas lutas que desenvolveram e em que a CGTP teve, modéstia à parte, a sua responsabilidade. Não nos limitámos a vir para a rua uma vez ou outra, estivemos permanentemente nos locais de trabalho e na rua durante todo o período da troika e do Governo PSD-CDS. Muitas iniciativas não foram divulgadas, mas todos os dias ou todas as semanas no mínimo havia alguma coisa que se passava. Demos o nosso modesto contributo para que isto resultasse. E é por isso que alguns da direita dizem que a CGTP vai de férias. Porque não perdoam o que se passou, porque sentem que os trabalhadores e a CGTP deram uma ajudinha no empurrão que era necessário para a direita sair do poder. O que dizemos é que, independentemente disso, nós queremos resultados. Portanto este Governo terá tanto mais futuro, quanto mais sensível for a ouvir os sindicatos da CGTP, as suas propostas e as suas reivindicações. E a estar disponível para encontrar soluções. Agora, isto vai chegar a um momento — e está-se a esgotar, esta fase está a ficar esgotada — em que se tem de fazer outras opções. São as tais confrontações com os intocáveis e já agora as alterações de fundo em relação à dívida, em relação ao Tratado Orçamental e em relação à negociação das parcerias [público-privadas] e a outro tipo de serviços.

 

O que está dizer é que a CGTP poderá mudar a sua acção?

O que estou a dizer é que faremos tudo para consolidar essa solução, mas não seremos cúmplices de uma solução que cria expectativas e depois gera frustrações. Portanto, antecipadamente, estamos a alertar, já o fazemos desde o congresso. Contem connosco para resolver, para melhorar, não contem connosco para regressarmos ao passado. A partir daqui toda a abertura, cada um depois que assuma as suas responsabilidades.

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