O diabo dos números

Não sabemos se o Diabo dos Números apareceu nos sonhos do ministro Mário Centeno. Mas sabemos a forma como está construído o Orçamento do Estado: a consolidação orçamental é feita com base na crença de que a economia vai acelerar e com base em receitas extraordinárias.

Nunca como em 2016 se terá falado tanto do diabo na política portuguesa. Mito ou não, Passos Coelho não se livra da fama de ter sido o responsável pela alusão ao demónio quando alertou para os tempos difíceis que se aproximavam. O diabo não apareceu à economia nacional. E não se sabe se aparecerá ou não.

O Orçamento do Estado para 2017, aprovado sexta-feira, sem surpresa, não nos levará, por certo, ao paraíso, mas também não é claro que nos empurre pelas portas do inferno.

É o Orçamento que tem, seguramente, a bênção dos pensionistas, ou de boa parte deles; dos beneficiários da tarifa social da água; das pequenas e médias empresas que terão uma taxa de IRC mais baixa; dos funcionários públicos; ou dos pais que vão beneficiar da gratuitidade dos livros escolares.

Mas também terá a bênção de Bruxelas porque é um documento que promete cumprir a regra da redução do défice estrutural, promete um défice orçamental bem abaixo dos 3% do PIB e atinge um saldo primário pelo terceiro ano consecutivo.

Mas é, ao mesmo tempo, um Orçamento que será chumbado por todos aqueles que pagam sobretaxa de IRS porque esta se manteve depois de lhes ter sido prometido que acabaria. Ou quem tenha património imobiliário acima dos 600 mil euros e, por isso, terá de pagar uma sobretaxa de IMI. Ou quem resolveu entrar no negócio do arrendamento local.

Como já alguém disse, o diabo esconde-se nos detalhes.

A proposta de Orçamento do Estado para 2017 entregue a 14 de Outubro na Assembleia da República tinha muita coisa escondida. Não eram só detalhes e, como tal, não devia ser o diabo. De tal forma que no dia 28 do mesmo mês o Governo enviou ao parlamento a informação que faltava. E era muita.

Foi com essa informação que ficámos a saber, por exemplo, que a despesa prevista para a Educação em 2017 diminuía em relação a 2016 e não aumentava, ao contrário de que o Governo queria fazer querer. Diabólica foi a resposta do Ministro das Finanças no parlamento quando deu a entender que não seria desta que a desorçamentação seria totalmente corrigida. Ou seja, já se admite abertamente a desorçamentação antes mesmo de o orçamento ser aprovado.

Na audição parlamentar de quarta-feira passada, Mário Centeno citou Camões, Bento de Jesus Caraça e Jorge Luís Borges e tanta citação e tanta conversa sobre o diabo fez-me lembrar um pequeno livro, menos erudito que as citações de Centeno, e que dá pelo nome de Diabo dos Números.

A descrição do livro diz-nos que não é mais do que a história de um menino de pijama azul que não compreende os números, acha-os mesmo monstruosos e inúteis. Até que um dia encontra em sonhos o diabo dos números. Um diabo bom que através de malabarismos faz com que os números deixem de ser monstruosos e inúteis e passem a ser claros e diabolicamente divertidos.

Não sabemos se o Diabo dos Números apareceu nos sonhos do ministro Mário Centeno. Mas sabemos a forma como está construído o Orçamento do Estado: a consolidação orçamental é feita com base na crença de que a economia vai acelerar e com base em receitas extraordinárias.

Números que não são transformáveis em coisas divertidas. São arriscados. E esta é a grande marca do Orçamento do Estado para 2017.

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