Um sismo como o de Itália iria “arrasar” Lisboa, diz especialista

Cristina Oliveira alerta que Lisboa não está preparada para um novo sismo. Terramoto de 1755 foi maior do que o do Japão e pode repetir-se, avisa

Um sismo em Portugal com a mesma magnitude dos de Itália, na semana passada, iria arrasar Lisboa, por falta de preparação da cidade e das pessoas, alerta a especialista Cristina Oliveira, lembrando o terramoto de 1755, que faz nesta terça-feira 261 anos.

Cristina Oliveira é professora da Escola Superior de Tecnologia do Barreiro, do Instituto Politécnico de Setúbal, e esteve em Itália para analisar o comportamento sísmico dos edifícios de Amatrice, destruída a 24 de Agosto, quando um sismo de magnitude 6,2 fez 300 mortos.

O trabalho que se propunha fazer em Amatrice foi, no entanto, comprometido porque aconteceram, quando estava em Itália, mais três sismos, dois na quarta-feira e outro no domingo, este na região de Norcia, de 6,5, mas que poucos edifícios destruiu e não provocou vítimas mortais.

Como é que um sismo maior provocou incomparavelmente menos estragos? A especialista em construção e protexção sísmica responde: Norcia está a aplicar há 40 anos um plano de restauro e reforço estrutural. A lei obriga a esse reforço e quem não o faz é sujeito a expropriação.

É, segundo a especialista em entrevista à Lusa, um exemplo para o qual Portugal podia olhar, porque a lei sobre construção anti-sísmica é recente (a primeira é de 1958) e mesmo as estruturas anti-sísmicas construídas na baixa da capital, após o terramoto de 1755, foram gradualmente desvirtuadas.

“Não sabemos as condições em que estão os edifícios, nada foi avaliado, foram feitas obras às escondidas”, alerta.

E depois: “Podemos ter um sismo de magnitude muito elevada a qualquer momento. Sabemos que não o podemos evitar mas podemos evitar as consequências, reforçando as casas e ter uma atitude adequada perante um sismo”, mas como nada é feito, “se acontecer um sismo aqui, basta um igual aos que aconteceram em Itália, Lisboa vai ficar arrasada. Não estamos nada preparados”.

A especialista explica que há inúmeros tipos de reforços que podem ser aplicados e que esse trabalho não fica mais caro do que alguns que se fazem para tornar as casas mais bonitas. Mas, ao contrário, o que se faz é modificar estruturas, fechar varandas, derrubar paredes, fazer lugares open space, sem pensar nos efeitos devastadores que teria um sismo na capital.

Diz a docente que em Portugal o que se faz é “recuperar casas, maquilhando-as”. E acrescenta: “Há a preocupação com a certificação energética mas com a parte estrutural ninguém se preocupa, embora essa segurança não ficasse mais cara do que a certificação energética [mudança de portas e janelas, por exemplo]”.

E depois as pessoas compram uma casa “porque é bonita” e fica “em bom sítio”, e ainda fazem mais umas obras, sem procurar um engenheiro, sem saber como está a casa a nível estrutural. “Não sabemos se não estão a comprar casas para morrer lá dentro”.

A especialista fez parte de uma equipa de investigação sísmica (que inclui também investigadores do Instituto Superior Técnico), que esteve em Itália a avaliar os danos nas estruturas reforçadas e não reforçadas, coordenada pelo Istituto Nazionale di Geofisica e Vulcanologia.

É um trabalho de análise que, conforme explicou à Lusa, faz com regularidade. E em Itália esteve também em Áquila, a sul de Amatrice e não longe de Roma, devastada por um terramoto de 6,3, em 2009, que provocou mais de 300 mortos.

“As casas, algumas colapsaram, estão todas escoradas. É uma cidade fantasma, anda-se em ruas e ruas e não se vê ninguém nem se ouve nada, na praça central um café vazio, a igreja também vazia. Tive a sensação de que, se não fizermos nada, aquele pode ser algum dia o cenário de Lisboa”.

Terramoto de 1755 superior ao do Japão e pode repetir-se

O terramoto de 1755 aconteceu faz nesta terça-feira 261 anos e foi superior ao grande sismo do Japão de 2011, com 8,9 de magnitude, diz a especialista Cristina Oliveira, que avisa para a possibilidade de a história se repetir.

A especialista, engenheira civil e professora, visitou o Japão um ano após o sismo de 2011, ainda viu um autocarro no cimo de um edifício, e garante: comparámos a intensidade e o de Lisboa, de 1755, foi maior, teve mais intensidade e o seu impacto atingiu maiores distâncias.

No sismo de domingo em Itália, disse, as pessoas ainda não tinham regressado a casa, estavam a dormir nos automóveis. E depois também não é permitido voltar a ocupar as casas sem que os bombeiros, altamente especializados, façam uma vistoria.

Lembrou a professora que Portugal tem regulamentação anti-sísmica desde 1958, que tem vindo a ser aperfeiçoada, mas não se sabe como estão os edifícios anteriores.

“As casas deviam ser revistas de tempos a tempos, mas nada é feito. No ano passado foi publicada legislação que é praticamente ignorada, porque diz que, na recuperação de prédios, não se pode diminuir a resistência sísmica existente. Mas não obriga a reforço. E se não tiver resistência nenhuma também nada acontece”, diz à Lusa.

Com o panorama português, os investigadores pensam que “vai ter de haver uma desgraça para que as coisas mudem” e gostariam de evitar isso, porque um sismo como os de Itália seria “devastador”, tanto mais que a localização geográfica do país, alerta a professora, que admite sismos de intensidade inimaginável.

Itália tem sempre sismos de magnitude mais baixa porque está sob influência de uma falha dentro da placa tectónica, Portugal está sob influência de uma zona de subdução (a sul do Algarve), de convergência de placas, onde uma se infiltra debaixo de outra e a pressiona, levando a sismos quando a tensão é demasiada e há um ressalto.

“Há sempre uma tensão, só não sabemos quando é libertada. Mas historicamente, de 200 em 200 anos, há grandes sismos em Portugal”, diz.

A investigadora diz também que da “lição” de 1755 restaram apenas duas frases (“resvés Campo de Ourique” e “cair o Carmo e a Trindade”) e que os portugueses não estão preparados nem alertados, nem preocupados, e não sabem como se comportar perante um sismo.

E não sabem que há o risco, real, de 1755 se repetir e de nomeadamente em Lisboa só zonas mais recentes “se aguentarem”. Há 261 anos, a esta hora, ninguém diria que ia acontecer. Mas aconteceu.

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