BE ainda quer deduções na Educação no OE. Governo divide-se

Na discussão no Parlamento, o Bloco já escolheu um alvo. O PEV vai insistir nas deduções dos passes sociais dos transportes no IRS. Falta saber se há margem.

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Daniel Rocha/Arquivo

É a primeira dúvida para a discussão orçamental no Parlamento: há ou não margem para ainda se alargar as deduções de IRS na Educação? No mesmo dia, foram várias as vozes do Governo e dos partidos que o apoiam a pronunciar-se e todos conseguiram dizer o mesmo e o seu contrário: o ministro das Finanças abriu a porta à discussão do tema na especialidade; o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares disse "nim"; e, quase em simultâneo, a coordenadora do Bloco de Esquerda garantiu que o seu partido vai "seguramente" avançar com a proposta. Já durante a tarde desta segunda-feira, o secretário de Estado do Orçamento foi muito mais claro do que os seus colegas de Governo, mas dizendo que o executivo "não antevê para 2017 essa alteração". 

O BE ainda está, segundo afirmou a coordenadora Catarina Martins em entrevista à TSF, a estudar o que pode fazer quando o Orçamento for discutido na especialidade. Mas o partido vai avançar, pelo menos, com propostas que permitam uma “maior justiça nas deduções na educação” que não estão contempladas no documento entregue pelo Governo: “Estamos a estudar o que é possível fazer. Há uma matéria que seguramente vamos avançar, e que será importante do ponto de vista da progressividade, que tem a ver com uma maior justiça nas deduções de educação. Isso apoiará quem tem filhos. Ter filhos em Portugal é quase uma condição de pobreza. Com os salários médios, quem tem filhos fica numa situação muito complicada", disse Catarina Martins. “Quando chegarmos à especialidade, lá estaremos com o melhor que pudermos fazer”, garantiu a deputada bloquista.

As alterações às deduções das despesas com a Educação em sede de IRS chegaram a fazer parte dos planos do Governo e, embora não estejam contempladas neste Orçamento, o executivo, pelo menos pela voz do ministro das Finanças, ainda não deixou cair o assunto.  Ao Jornal de Negócios, Mário Centeno confirmou-o: “Não está incluído nesta proposta, mas não quer dizer que tenha sido abandonado", disse, sublinhando que "a especialidade existe e essa discussão é muito útil. Esta é uma matéria que flutua entre o técnico e o político – e normalmente as questões técnicas são mais fáceis de resolver.”

Também o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, deixou a porta entreaberta. Em entrevista ao PÚBLICO, garantiu que o Governo mantém o objectivo de tornar o sistema mais progressivo, no que respeita às deduções na Educação. Admitiu que a margem de manobra orçamental é “difícil” –, mas não fechou a porta, até porque “o trabalho continua sempre”.

Muito mais céptico foi, porém, o secretário de Estado do Orçamento. Depois das declarações de Mário Centeno, João Leão disse, em entrevista à agência Lusa, que as deduções de Educação em sede de IRS não vão ser alteradas em 2017. "Nesta fase, o Governo entendeu que ainda não havia condições para fazer essa alteração e, portanto, não a introduziu na proposta de lei para 2017. É uma medida que tem de ser avaliada e ponderada. É objectivo do Governo ir tornando mais progressivas as deduções no âmbito do IRS, mas tem de ter avaliado e ponderado em que altura é que isso poderá ser feito", disse.

Os Verdes querem outras deduções

"Para nós a especialidade não é um faz de conta", disse Pedro Nuno Santos ao PÚBLICO. Embora ressalvando que matérias estruturantes, como pensões e sobretaxa “estão resolvidas”, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares admite que, na discussão do OE na especialidade, possam vir a ser incluídas outras propostas.

O PEV especificou ao PÚBLICO, através do gabinete de imprensa do partido, que vai avançar com, pelo menos, duas medidas que já tinha tentado negociar e em relação às quais o Governo tinha mostrado abertura, mas que acabaram por não ser incluídas no OE – deduções dos passes sociais no IRS e mais vigilantes da natureza. Para incentivar o uso de transportes públicos, os Verdes propõem que o valor dos passes sociais seja dedutível no IRS – o montante ainda está em aberto. Quando ao aumento do número de vigilantes da natureza, a primeira proposta do PEV avançava com mais 50 em relação aos cerca de 120 que se estima haver no país.

O PCP também não vai baixar os braços para melhorar o Orçamento, mas não avança para já com medidas em concreto: “No trabalho de especialidade o PCP intervirá para eliminar ou reduzir aspectos mais negativos e introduzir novos avanços na reposição e conquista de direitos”, lê-se numa resposta enviada ao PÚBLICO por email.

“Este OE não é o que o Bloco faria”

Na entrevista à TSF, Catarina Martins reconheceu que este Orçamento “não é o que o Bloco faria”, mas ainda assim considera que não põe em causa aquele que foi o acordo firmado entre socialistas e bloquistas. “Este OE cumpre genericamente esse acordo”, afirmou.

Há várias matérias em relação às quais existe uma “discordância de fundo” entre o Governo e BE – a reestruturação da dívida é apenas uma –, mas o partido coordenado por Catarina Martins entende que ainda “há margem para continuar a negociar e a debater”. Ou seja, depois de longas negociações para chegar a este documento que deverá ser aprovado na generalidade, ainda haverá muitas outras em sede de especialidade, quando o Orçamento for discutido em detalhe. “O BE sempre foi um partido de pragmatismo e nunca foi um partido de protesto”, avisou, já perto do fim da entrevista, a coordenadora.

Problemas identificados pelo BE neste documento? Para Catarina Martins, um OE de esquerda teria de reestruturar a dívida, não excluiria ninguém da reposição de rendimentos e “teria de responder mais pelo emprego”. O documento é “tímido”, disse, e tem ainda “muito pouco” no que toca a questões como salários, emprego jovem e precariedade.

O grande problema do BE continua a ser, porém, o desfecho em relação à sobretaxa. Os bloquistas sempre insistiram até ao fim que a lei era para cumprir, isto é, que aquele imposto teria de acabar a 1 de Janeiro de 2017. Só que não é isso que vai acontecer. O fim da sobretaxa será faseado – o último escalão de rendimentos só deixará de pagar em Novembro.

Ora, isto é “um problema” para BE: “É o nosso maior problema”, disse a coordenadora, defendendo que “não se deve voltar atrás no que foi aprovado e na expectativa das pessoas”. Trata-se de uma “questão de princípio”, explicou Catarina Martins para quem o fim da sobretaxa devia ter sido ainda este ano para, em 2017, se estar a discutir uma reposição dos escalões do IRS.

Já no que se refere a conquistas ou aspectos positivos, a bloquista destacou, entre outros, “o maior aumento das pensões desta década” previsto no OE. Neste ponto, não chega, porém, a dizer claramente qual é a posição do partido sobre a intenção do Governo de avançar com condição de recursos para as pensões mais baixas. 

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