O medo saiu à rua e no Candal ninguém lhe ficou indiferente

De noite muitos habitantes da aldeia do Candal dormiram inquietos. De manhã a GNR entrou em várias casas. O medo atravessa todas as conversas.

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Uma das habitantes da aldeia conta que viu o suspeito, que continuava a ser procurado pela GNR, numa numa pick-up azul Hugo Santos
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Hugo Santos

Não fosse um suspeito de homicídio andar à solta e o milho de Celina Silva, 46 anos, já estaria desfolhado. Era isso que a agricultora tinha planeado fazer terça-feira à tarde quando foi aconselhada pela GNR a trancar portas e janelas e a manter-se em casa. Mesmo assim ainda deu um salto à eira que possui do outro lado da aldeia. Mas não sozinha. “Fui só com a minha mãe fechar a porta do palheiro”, explica ao PÚBLICO a habitante da aldeia do Candal, em São Pedro do Sul. E a experiência valeu-lhe um susto valente.

Um tiro que soou na encosta, provavelmente da própria GNR, assustou as duas mulheres. “Fuja mãe”, gritou Celina para a octogenária que se desloca com dificuldades. O silêncio que se instalou de seguida na serra ajudou a passar o pânico, mas o medo não. “Até tenho medo de botar comida ao porco que tenho por trás da minha casa”, reconhece Celina Silva, que garante que não volta ao palheiro antes de o suspeito da morte de um militar da GNR e de um civil aparecer.

Celina sabe pouco da história deste homem, mas para lhe alimentar o medo basta-lhe saber que andará armado, já matou duas pessoas e feriu outras duas com gravidade perto de Aguiar da Beira, na Guarda.

A história não teria cruzado o seu dia-a-dia, não tivesse o suspeito percorrido os cerca de 80 quilómetros que separam Aguiar da Beira do Candal. Mas percorreu, já que foi avistado a descer uma encosta ali ao lado, antes do almoço. Quem o comprova é a própria irmã de Celina, Benta Silva, que na tarde desta quarta-feira foi com ela sangrar o vinho da mãe, pisado na segunda-feira passada. Sangrar, explica-nos, quer dizer retirar do lagar para as tulhas, onde o néctar é armazenado. Nas mãos e nas galochas das duas são visíveis a olho nu os vestígios da tarefa.

Benta conta que tinha ido colher umas couves para a sopa, perto do meio-dia, quando viu um individuo passar numa pick-up azul. “Ele até nos saudou”, sublinha.

Só já depois do almoço, quando a GNR começou a perguntar por uma viatura com aquela descrição é que percebeu que tinha visto o suspeito que a GNR e a PJ tentam apanhar a todo o custo, sem sucesso. Nesta quarta-feira o aparato das carrinhas, jipes e carros caracterizados da GNR contrastava com o silêncio da Serra da Freita, pintada de preto pelos incêndios do Verão. Numa zona isolada do interior do país, não ajudava a neblina e a chuva que se faziam sentir. A tranquilidade era frequentemente quebrada pelo vai e vem de viaturas policiais e pelos jornalistas que tentavam perceber como se passou a noite por ali.

De manhã, a GNR tinha pedido para entrar em várias casas da aldeia. Houve quem entendesse as diligências como um sinal de que a polícia suspeitava de que houvesse quem estivesse a ajudar o fugitivo e quem considerasse a medida normal para garantir a segurança dos próprios habitantes. “Viram tudo aqui à volta, por isso, agora estou tranquila”, afirma Joana, que se recusa a dar-nos o sobrenome. “Nunca vi tanta polícia junta”, sublinha ao explicar-nos porque se sente segura apesar do que se passou.

Joana tinha sido obrigada a dormir fora de casa com a filha e o marido, porque a GNR cortou a estrada de acesso à aldeia, terça pelas 17h. “Fui directa para a minha mãe. Tinha uma solução fácil”, desvaloriza a habitante.

Na casa ao lado, a tia Luísa, de 85 anos, diz da janela que seis GNR que na terça-feira ali estiveram a tranquilizaram. Trancou como habitualmente portas e janelas e deitou-se às dez da noite, como é normal. Mesmo assim confessa que tem medo.

Aliás, o medo é o fio condutor de todas as conversas e não há quem não se confesse assustado. “Aqui estamos entre a vida e a morte”, resume Celina Silva junto ao Largo das Terças, onde as idosas da aldeia se costumam encontrar. Não nesta quarta-feira. A chuva, por vezes forte, não ajudava, mas Celina Silva acreditava que o motivo da ausência era mesmo o medo.

GNR mantém apelo

O marido José Silva, trabalha na construção civil, mas na quarta-feira optou por ficar em casa. “Tenho medo pela minha mulher e pelo meu filho”, justifica. A aldeia que se enche de emigrantes no Verão está agora vazia e uma parte significativa das casas estão fechadas. Celina conta pelos dedos os habitantes que permanecem por aqui no Inverno e a lista não chega às três dezenas. Na aldeia não há café, nem mercearia. Apenas uma carrinha que vem às quintas-feiras abastecer os idosos que não têm carro nem família por perto. A igreja da aldeia permanece fechada durante a semana e abre portas apenas ao domingo para uma missa.

O suspeito não foi encontrado mas a GNR anunciou à noite a desmobilização do forte dispositivo policial que tinha montado em São Pedro do Sul. Em comunicado, garantia, contudo, que iria manter a segurança às populações. E repetia o apelo feito no dia anterior: “Que as pessoas se mantenham atentas, devendo em casos suspeitos alertar de imediato a GNR.” A tranquilidade regressará ao Candal? Talvez.  

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