Como a meta para o défice aperta a margem negocial do Governo

Conseguir reduzir o défice estrutural em 0,4 pontos e manter os planos no IVA, sobretaxa e função pública exige medidas de consolidação próximas de 1500 milhões de euros.

Foto
Mário Centeno apresenta a sua proposta de OE na sexta-feira Nuno Ferreira Santos

Conseguir entregar a Bruxelas um plano de consolidação orçamental convincente ao mesmo tempo que se mantêm e reforçam as medidas de reposição do rendimento está a revelar-se para 2017 uma tarefa matematicamente muito complexa e que constitui, neste momento, a grande dificuldade na obtenção de um acordo entre os partidos que apoiam o Governo.

A ginástica que é preciso fazer com as contas salta à vista. Para cumprir as exigências de Bruxelas, o Governo tem de apresentar na sexta-feira um orçamento que aponte, no mínimo, para uma redução de 0,4 pontos do défice estrutural (num cenário em que Portugal possa beneficiar da flexibilidade do Pacto de Estabilidade por ter saído do Procedimento por Défice Excessivo em 2016).

Isto significa que, sem contar com os efeitos positivos do crescimento económico e sem o recurso a medidas de carácter extraordinário, será preciso que o esforço de consolidação orçamental (o saldo líquido entre as medidas que façam cair o défice de forma permanente e as medidas que o façam subir) seja próximo de 700 milhões de euros.

Este número é particularmente difícil de atingir porque, para 2017, o Governo está logo à partida a contar com o efeito negativo de algumas medidas importantes. De acordo com as estimativas apresentadas no último Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), a eliminação da sobretaxa de IRS (se for feita na totalidade a partir de 1 de Janeiro, como previsto na lei) representa um impacto negativo para o saldo orçamental de 380 milhões de euros. A aplicação na totalidade de 2017 da redução do IVA da restauração, que em 2016 esteve em vigor apenas em metade do ano, custa mais 175 milhões e a reposição salarial na função pública também aplicada por inteiro no total de 2017 pesa mais 257 milhões de euros. Apenas com estas três medidas — e, portanto, não contando com eventuais novas medidas como um aumento extra das pensões —, o agravamento das contas é superior a 800 milhões de euros, o que faz com que o esforço no sentido contrário suba para valores acima de 1500 milhões de euros. 

PÚBLICO -
Aumentar

É certo que, já em Abril, quando apresentou o PEC, o Governo deu indicações de algumas medidas com que contava reduzir o défice. Entre as mais importantes estão o aumento de impostos indirectos (com impacto de 210 milhões), a redução das despesas com consumos intermédios (300 milhões), o congelamento nominal dos salários da função pública (180 milhões) e as poupanças obtidas com juros (186 milhões). Com estas quatro medidas, o Governo pretende atingir no total um valor próximo dos 900 milhões de euros de ganhos orçamentais.

Para além de algumas delas correrem o risco de serem consideradas pouco credíveis por Bruxelas, o seu valor, contudo, não chega para atingir o objectivo definido, o que revela o curto espaço de manobra de que o Governo dispõe para aceitar novas medidas (como o aumento de pensões) e a necessidade que tem de encontrar novas medidas de consolidação, seja ao nível de novos impostos, seja, por exemplo, no faseamento da eliminação da sobretaxa, que de acordo com o site de notícias Eco pode conduzir a um ganho de 200 milhões de euros.

Nas conversas que teve esta quarta-feira com os partidos, o Governo revelou que o défice nominal, depois de se cifrar em 2,5% este ano, ficará entre 1,7% e 1,8% em 2017. Isso será conseguido com uma taxa de crescimento da economia de 1,5% e com o desemprego a cair de 11,2% este ano para 10,4% em 2017.

Sugerir correcção
Comentar