"Entendo que hesitem em apoiar Trump, mas não que apoiem Clinton"

O congressista republicano da Califórnia, Devin Nunes, preside ao Comité de Serviços Secretos da Câmara de Representantes. Esteve em Lisboa num debate sobre as presidenciais dos EUA na Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento.

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Miguel Manso

O congressista da Califórnia, Devin Nunes, passou por Lisboa para debater o estado da campanha presidencial nos Estados Unidos, exactamente no mesmo dia em que a liderança do seu Partido Republicano reunia de emergência para tentar encontrar respostas para a derrocada da candidatura de Donald Trump à Casa Branca. O incómodo com a campanha pouco ortodoxa do magnata do imobiliário é indisfarçável, mas Nunes (cujos pais emigraram dos Açores para a Califórnia) mantém a disciplina partidária – e carrega nas críticas à concorrente democrata, Hillary Clinton.

Donald Trump teve a sua pior semana de campanha depois da revelação de um vídeo com declarações ofensivas sobre as mulheres, e no segundo debate presidencial foi incapaz de virar o jogo e estancar a crise que assola a sua candidatura. Está confiante que em Novembro conseguirá ser eleito Presidente dos EUA?
As sondagens claramente não parecem muito favoráveis, e parece que a decisão está nas mãos de dez estados. Donald Trump certamente terá de responder por todos os comentários que fez no passado, como todas as pessoas na mesma posição. Ele é uma estrela de Hollywood e da reality TV, já disse muitas coisas tolas, algumas foram bastante nefastas. Mas quem está neste “negócio”, sabe que tudo o que disse no passado vai voltar a público. E há muita coisa pela qual vai ter agora de prestar contas.

Atendendo à quantidade e variedade de afirmações polémicas de Donald Trump, e à sua tendência de não pedir desculpa, considera que o candidato republicano se tornou prejudicial à imagem do partido? Há um movimento de abandono da candidatura de Trump por candidatos republicanos, que têm pedido ao partido para desviar o foco das presidenciais para as eleições para o Congresso.
Trump pediu desculpa pelos seus comentários [gravados em 2005]. Mas tem muito a ver com o que disse sobre ele ser da reality TV. Eu não me envolvi na campanha das primárias, por causa das funções que desempenho [presidente do Comité de Serviços Secretos da Câmara de Representantes] . Sempre me manifestei disponível para apoiar quem quer que fosse o nomeado do meu partido, e essa pessoa é Donald Trump, que foi quem venceu as eleições primárias. E essa continua a ser a situação, excepto se o partido tomar outra decisão – aí obviamente mudarei a minha posição. Mas nesta altura, tenho a responsabilidade de tentar ajudar Donald Trump.

Na segunda-feira, numa conferência em que participou por telefone a partir de Lisboa, o speaker Paul Ryan confirmou que deixará de defender Trump para se concentrar na manutenção da maioria republicana, que pode estar em risco. Não parece ser o caso do seu lugar, o 22º círculo eleitoral da Califórnia, fortemente conservador. Mas o seu eleitorado é composto por 52% de mulheres, 46% de hispânicos: preocupa-o que o sentimento anti-Trump possa baralhar as contas e pôr em causa alguns lugares que estariam à partida garantidos?
Nós concorremos como indivíduos: é o nosso nome que está no boletim de voto e não uma lista do partido. Votam em mim com base nas minhas propostas e a minha ligação ao órgão legislativo. A Casa Branca é um corpo diferente. Claro que isto não é científico: às vezes um candidato presidencial do partido não se sai muito bem, mas o partido sim, outras vezes o oposto acontece.

Acontece no seu estado da Califórnia, que tradicionalmente elege candidatos democratas para a Casa Branca…
E há quatro anos o Presidente Obama foi eleito e os candidatos republicanos ao Congresso tiveram um excelente resultado. Temos candidatos muito populares, muito independentes e muito envolvidos nos problemas com que as pessoas se debatem na região do vale de San Joaquim, seja a questão da imigração, seja da água, que é provavelmente a mais importante – e que penaliza fortemente os democratas e explica, em parte, porque a região se tem tornado mais republicana.

Enquanto presidente do Comité de Serviços Secretos da Câmara de Representantes, como interpreta o facto de tantas vozes proeminentes do aparelho de defesa e segurança nacional norte-americano terem denunciado a candidatura de Donald Trump, e dezenas de republicanos terem apelado ao voto em Hillary Clinton?
Eu consigo perceber que alguns estejam hesitantes em apoiar Trump, mas o que não consigo perceber é que apoiem Hillary Clinton porque o seu histórico em questões de segurança nacional é abismal. Essas são matérias onde Trump é uma folha em branco, ele não assumiu ainda muitas posições: disse algumas coisas de forma algo ligeira e depois teve de se explicar melhor. Mas Hillary Clinton é em grande parte responsável pelos problemas que vemos na Líbia, Síria, Iraque, Afeganistão, a crise dos refugiados que a Europa enfrenta… o seu legado é simplesmente sinistro. Há um candidato que não tem posições muito definitivas sobre as questões, e uma candidata cujas posições e claramente não resultaram bem…

Mas as posições de Hillary Clinton nas matérias de defesa são até bastante “conservadoras”, ela é considerada um “falcão”. E há países cuja crise precede a sua entrada em funções: lembro por exemplo o impacto regional da invasão do Iraque em 2003.
Isso é só retórica, é uma imagem que depois não joga com a realidade. Quer dizer, temos um fluxo de refugiados que se deve largamente a uma política falhada na Líbia… Estamos a falar de uma liderança cuja política resultou num movimento de armas e combatentes para a Síria e o Iraque e na metamorfose da Al-Qaeda no Estado Islâmico. Também foi a secretária de Estado Clinton que fez o reset com a Rússia e com Putin que foi um enorme fiasco, ou que quis mudar o foco para a Ásia, mas não impediu Pequim de tomar conta do mar do Sul da China. Quanto à crise no Médio Oriente, Clinton votou a favor da guerra do Iraque.

O que quero dizer é que tem havido um enorme falhanço de algumas pessoas nos Estados Unidos, e alguns dos nossos aliados na Europa, em chamar um terrorista de terrorista, e em não se aperceberem de que há um problema de jihadismo radical que está a crescer globalmente. E está a acontecer exactamente aqui, no quintal da Europa, e é muito sério. Apesar do que diz o Presidente Obama, o mundo tornou-se um lugar muito perigoso e será preciso tomar decisões muito difíceis. Preocupa-me a incapacidade de Hillary Clinton em ver os problemas complexos com que nos deparamos e em encontrar soluções que têm de ser implementadas, simplesmente porque ela nunca o fez no passado.

O senhor apoia nova legislação para criminalizar actuações como a de Hillary Clinton, que enquanto secretária de Estado utilizou um servidor pessoal para as suas comunicações electrónicas. Em que consiste exactamente essa lei, e não existe a possibilidade de abrir a porta à acusação de anteriores responsáveis, como Colin Powell ou Condoleeza Rice, que admitiram a mesma prática?
Não se trata de legislação específica para o caso de Hillary Clinton nem é retroactiva. O que se passa é que nunca ninguém pensou que alguém seria tão estúpido que fosse criar o seu próprio sistema de e-mail na sua casa, sabendo que países com a Rússia e a China estão activamente a tentar penetrar nas nossas redes, que foi o que a secretária de Estado Clinton fez. Ela sabia que, depois do presidente, seria o segundo alvo mais óbvio dos nossos adversários estrangeiros. E um dos problemas com que nos deparamos é que não tínhamos legislação que respondesse a esse desafio porque era inimaginável que alguém adoptasse esse sistema, e por isso para o futuro, independentemente de quem venha a ganhar eleições, temos de nos certificar que isso não voltará a acontecer.

Pelo comité de Serviços Secretos passa vasta informação classificada sobre questões que vão desde as tentativas de interferência política da Rússia no tabuleiro político internacional, à instabilidade no Médio Oriente, o fenómeno global das migrações ou o cibercrime. De todas as ameaças actuais à segurança dos Estados Unidos e dos seus aliados, qual ou quais lhe parece ser a mais preocupante?
Eu descrevo as coisas desta forma: actualmente, estamos a lidar com uma jihad radical e que assume muitas formas diferentes; temos um problema com a Rússia de Putin; temos a questão da China; a proliferação de armas nucleares no Irão e na Coreia do Norte, e a envolver tudo isso temos as questões ciber. E num dia, podemos ter que lidar com uma ou várias destas questões, que acabam por estar todas interligadas. É nisso que eu trabalho todos os dias, ao mais alto nível.

Olhando para o papel desestabilizador da Rússia e recordando o caso da fuga de informação classificada protagonizado pelo antigo analista da Agência de Segurança Nacional, Edward Snowden, que procurou abrigo em Moscovo. Há uma campanha em curso para que possa obter um perdão e regressar aos EUA, qual a sua opinião sobre essa possibilidade?
Não me parece que exista a mínima possibilidade de ele obter um perdão, uma vez que a nossa investigação provou que ele nunca disse a verdade. Ele roubou segredos avaliados em milhões e milhões de dólares e vendeu-os aos russos e provavelmente aos chineses. Não há desculpa nenhuma para isso, que essencialmente constitui traição. Além disso, a sua actuação colocou em risco a vida dos nossos militares e agentes, e também as dos nossos aliados. Se ele quisesse simplesmente exprimir as suas preocupações, como diz, poderia ter-se tornado um whistleblower junto de muitas instituições, mas não foi isso que ele fez.

A Europa passa também por um período algo turbulento e instável: o resultado chocante do referendo do Brexit, a crise dos refugiados, a subida dos movimentos populistas e radicais nas sondagens. Qual a sua apreciação do actual panorama político europeu?
Costumo dizer que os problemas nos EUA são tantos que não tenho tempo para me preocupar com outros. Mas penso que várias razões explicam este estado de coisas, que não é necessariamente só europeu mas também global: um anémico crescimento económico, o mau comportamento da Rússia, da China e de outros, o fluxo livre de imigração perigosa que está a entrar na Europa. E os líderes, e posso falar pelos norte-americanos, parece que têm palas e não vêm que tudo isto está a gerar enormes problemas. E não estão a oferecer respostas.

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