Cumprir meta este ano pode evitar 360 milhões de austeridade em 2017

Previsões mais benignas em relação ao défice deste ano dão argumentos ao Governo para discussão que se aproxima com Bruxelas.

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O Banco de Portugal, liderado por Carlos Costa, apresentou ontem previsões para Portugal ENRIC VIVES-RUBIO

A menos de três meses do final do ano, a garantia várias vezes repetida pelo Governo de que é possível cumprir as exigências de Bruxelas para o défice sem ter de adoptar mais medidas começa a ser recebida com menos cepticismo pelas entidades que fazem previsões para as contas públicas portuguesas. Uma mudança de sentimento que, para o Executivo, pode constituir uma ajuda preciosa para negociar uma saída do país do Procedimento por Défice Excessivo (PDE) e, assim, poder apresentar um Orçamento do Estado para 2017 (OE2017) com menos exigências de austeridade.

Depois de a Comissão Europeia ter previsto um défice de 2,7% este ano (apenas 0,2 pontos acima dos 2,5% que está a pedir ao Governo) e de o Conselho das Finanças Públicas apontar para um valor de 2,6%, esta sexta-feira foi a vez do Banco de Portugal, embora sem apresentar estimativas, dizer que os dados da execução orçamental conhecidos até agora permitem acreditar que cumprir um défice de 2,5% será possível. Apenas o FMI resiste entre os mais cépticos, prevendo um défice de 3% em Portugal durante este ano.

 “A evidência disponível para o primeiro semestre parece sugerir que o objectivo para o défice estabelecido pelo Conselho da União Europeia para o conjunto de 2016 pode ser atingido”, disse o Banco de Portugal no boletim económico publicado ontem e em que apresentou as suas projecções actualizadas para o desempenho da economia em 2016. Este reconhecimento do Banco de Portugal parece ir ao encontro daquilo que o Governo tem dito, quando defende que os dados da execução orçamental estão em linha com o orçamento.

No caso do Executivo, o ponto de referência tem sido o défice de 2,2%, que foi a meta definida no OE, enquanto para o Banco de Portugal o que conta são os 2,5%, pedidos pelo Conselho da UE, quando decidiu agravar o PDE português. Esta redução da exigência em 0,3 pontos faz, neste caso, toda a diferença. “A revisão em alta do objectivo estabelecido pelo Conselho para o défice em 2016 facilita a acomodação de algumas das pressões orçamentais identificadas anteriormente”, assinalou o banco central no seu relatório.

É verdade também que, o Banco de Portugal fez questão de deixar vários alertas. “Deve sublinhar-se que a execução orçamental no segundo semestre continua a ser muito exigente e sujeita a factores de risco não negligenciáveis”, disse, lembrando em particular a incerteza que rodeia questões como o “comportamento da receita fiscal líquida de reembolsos”, “o impacto das medidas adoptadas” ou os “desenvolvimentos macroeconómicos”.

Em compensação, uma vez que a medida apenas foi anunciada pelo Governo na quinta-feira, as contas do Banco de Portugal não levam em consideração os eventuais efeitos positivos no défice que o novo programa de regularização extraordinária de dívidas fiscais e contributivas pode vir a ter.

Uma coisa é certa: o facto de entidades independentes (e muitas vezes críticas da política orçamental do Governo) como o Banco de Portugal e o Conselho das Finanças Públicas colocarem agora a hipótese de o défice poder vir a ficar dentro dos limites exigidos vai ser usado pelo Governo nas discussões que, ao mesmo tempo que apresenta o novo OE, vai reiniciar com as autoridades europeias.

O Governo comprometeu-se junto da Comissão Europeia a entregar, em conjunto com a proposta de OE para 2017, um relatório onde dará conta das “acções efectivas” que pretende adoptar para corrigir as derrapagens orçamentais detectadas por Bruxelas.

Tal como tem feito até agora, o Executivo não deverá nesse documento apresentar novas medidas para este ano, limitando-se a repetir a ideia de que a execução orçamental está a correr dentro do previsto e não perdendo a oportunidade para apresentar como argumento as previsões mais benévolas de diversas entidades.

Se estes argumentos forem bem recebidos e ficar mais clara a expectativa de uma saída de Portugal do PDE na Primavera de 2017, o Governo ganha ainda espaço de manobra para poder avançar com menos medidas de austeridade no OE para 2017.

A explicação está no facto de, para os países que estejam fora do PDE, ser dada a possibilidade de beneficiar de uma flexibilidade nas metas de redução do défice estrutural (o défice que não leva em conta as medidas extraordinárias e a evolução da economia).

Na definição do OE para 2017, o Executivo está neste momento a contar com a possibilidade de usar essa flexibilidade das regras, que foi introduzida para incentivar a realização de reformas estruturais. É por isso que aponta neste momento para uma redução de apenas 0,4 pontos percentuais no défice estrutural, quando as regras exigiriam um corte de 0,6 pontos. A diferença de 0,2 pontos, equivalente a cerca de 360 milhões de euros, pode ser perdoada por conta da flexibilidade atribuída pelas regras, pensa o Governo, acreditando que desse modo é possível aplicar menos austeridade.

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