Volta a ser impossível comparar atrasos da justiça portuguesa com o resto da Europa

Parte das estatísticas de 2014 não foram fornecidas. “As restrições orçamentais continuam a afectar de forma negativa os recursos alocados ao sistema judicial”, diz relatório da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça.

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Portugal não forneceu todos os indicadores necessários à avaliação FERNANDO VELUDO/ NFACTOS

Pela segunda vez neste ano, foi impossível comparar os atrasos dos tribunais portugueses com os dos seus parceiros europeus, porque os dados estatísticos nacionais não foram fornecidos.  

O problema, que já tinha sucedido em Abril passado, volta agora a surgir, desta vez num relatório produzido pela Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça do Conselho da Europa, que faz um retrato do estado do sector em 2014. Acontece que foi precisamente nesse ano que o sistema informático dos tribunais de primeira instância não resistiu às exigências impostas pela reorganização judicial que estava em curso, tendo sofrido um bloqueio.

Neste momento o departamento de estatísticas do Ministério da Justiça já tem online alguns dados relativos a 2014, mas a comparação com os outros países acabou por não constar do relatório em causa, no que à taxa de resolução de casos e eficiência dos tribunais diz respeito. Uma lacuna que não diz respeito apenas a Portugal: vários outros países, entre os quais se contam a Bélgica e a Alemanha, também não forneceram todos os indicadores necessários à avaliação.

Interrogado pelo PÚBLICO sobre a questão, o Ministério da Justiça confirma que foram os problemas informáticos que estiveram na origem da não entrega de muito destes dados. "Estes constrangimentos já foram entretanto ultrapassados e os dados recuperados", acrescenta a tutela, que tenciona apresentá-los no próximo exercício de avaliação. Procedimento idêntico foi também anunciado relativamente à taxa de resolução dos processos pendentes nos tribunais administrativos, cujas estatísticas este ministério ainda não tinha por prática apurar aquando do pedido da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça.

Dados de anos anteriores permitiram ao Conselho da Europa concluir que a capacidade dos tribunais portugueses para resolver mais casos do que o número de processos entrados baixou quatro pontos percentuais entre 2010 e 2012, no que diz respeito aos litígios cíveis e comerciais. Nessa altura, situava-se pouco abaixo da média europeia. Mesmo assim, o número de casos pendentes desceu, em parte devido à redução da procura dos tribunais – um fenómeno que os autores do estudo ligam à crise económica, ao decréscimo populacional e à redução do número de casamentos. No que se refere aos tribunais administrativos de primeira instância, em que a falta de juízes faz com que os atrasos sejam ainda maiores, não foram sequer fornecidos aos autores do estudo as estatísticas nacionais de 2010 e de 2012.

Portugal podia ter investido mais

Ainda assim, foi possível analisar e comparar vários outros indicadores relativos ao ano de 2014. No caso do orçamento do sistema judicial, Portugal ficou nesse ano, com os seus 52 euros per capita, ligeiramente abaixo da média dos países estudados (60 euros). A Croácia apresentou um valor semelhante, enquanto a Suécia ou o Reino Unido, por exemplo, superaram em muito este número. Comparando a riqueza dos países com os recursos alocados à justiça, chega-se à conclusão de que tanto Portugal como a Espanha podiam ter investido mais.

“As restrições orçamentais continuam a afectar de forma negativa os recursos alocados ao sistema judicial”, pode ler-se no resumo do relatório. Entre 2012 e 2014, o orçamento da justiça portuguesa apresentou uma redução de quase 15% - que se reflectiu mais no orçamento dos tribunais, que consomem a maior fatia dos gastos da justiça, do que no apoio judiciário ou nas verbas de funcionamento do Ministério Público. Uma análise do orçamento dos tribunais per capita permite concluir porém que, ao contrário do que sucede com o orçamento global da justiça portuguesa, o nosso país fica acima da média. Tal como sucede com a maioria dos outros parceiros, grande parte da despesa é consumida com pessoal, que atingem os 84%.

Por outro lado, Portugal conseguiu reduzir de forma significativa os gastos dos tribunais com peritos e tradutores, embora não seja avançada qualquer explicação para esse facto. O orçamento dos serviços do Ministério Público per capita é outro indicador que surge abaixo da média: era de 8,6 euros em 2014, quando a média foi de 12, constituindo uma percentagem do produto interno bruto inferior à maioria dos outros países. Os cortes feitos em Portugal neste subsector entre 2012 e 2014 são dos mais significativos, a par de Chipre e da Holanda.

A Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça destaca os “esforços significativos” do nosso país para facilitar o acesso das pessoas à justiça, dando-lhes apoio judiciário – através do pagamento de advogados e da isenção de custas –, o que é, em parte, garantido pelo facto de as taxas cobradas nos tribunais estarem entre as mais altas dos países estudados. “Os seus elevados valores poderiam fazer pensar que não estava garantido um acesso equitativo à justiça. Mas isso é preservado através dos mecanismos de apoio judiciário de que pode beneficiar quem não tem meios suficientes”, pode ler-se – muito embora Portugal tenha reduzido em 39% as verbas orçamentadas para este fim entre 2012 e 2014. O Governo explicou, porém, aos autores do estudo que o dinheiro efectivamente gasto com o apoio judiciário ultrapassou em muito o previsto em sede de orçamento. Há dois anos foram atribuídos apoios em 2044 processos, à razão de 180 euros em cada um. Em média, cada país gastou 555 euros por caso, muito mais do que Portugal, mas só apoiou 426 pessoas.

Mais mulheres, mas com menos poder

A percentagem de mulheres que presidem a tribunais é outro aspecto analisado mas que as autoridades portuguesas não esclareceram. Já como juízas e procuradoras, as mulheres ficam a ganhar aos homens em Portugal em termos numéricos: são em maior quantidade. A situação inverte-se porém, e muito, quando se passa para os tribunais superiores, locais onde elas não só ficam em inferioridade numérica como também abaixo da média europeia. E se os salários dos magistrados judiciais são equiparados à média dos vencimentos dos seus congéneres dos outros países quando entram para a carreira, a partir do momento em que sobem ao Supremo Tribunal de Justiça passam a ganhar acima disso. Em 2014 um juiz do Supremo auferia 4,2 vezes mais do que o ordenado médio nacional, proporção idêntica à média dos países estudados.

A redução do número de funcionários judiciais também é mencionada neste relatório – e não acontece só no nosso país: é um problema amplamente disseminado. Em Portugal, foi motivada não só por o pessoal reformado não ter sido substituído, como por via do recurso às novas tecnologias, que vieram facilitar o trabalho, diz o documento. Artigo actualizado às 14h55

ana.henriques@publico.pt

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