Portugal terá um Serviço Nacional de Saúde "arrumado" no final da legislatura

O ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, pede tempo para concretizar as medidas que idealizou. "Há um trabalho enorme para fazer que se faz numa legislatura", frisa.

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"No final da legislatura, Portugal terá um Serviço Nacional de Saúde arrumado" Alexandra Campos, Sibila Lind, Sónia Sapage

Diz que herdou uma dívida de 1,3 a 1,4 mil milhões de euros e está convencido de que a vai conseguir manter mais ou menos neste nível, apesar de, só a reposição das remunerações dos cerca de 120 mil profissionais do Serviço Nacional de Saúde (SNS), já ter agravado a factura em mais de 100 milhões este ano. Não está preocupado com o aumento dos pagamentos em atraso e pede à oposição que espere até ao final do ano para falar das contas. Mas reconhece que será necessária toda a legislatura para ter um SNS “arrumado”. Antes de ir bater à porta do ministro das Finanças, sublinha, é preciso pensar em "remédios". 

O primeiro-ministro disse que um orçamento rectificativo não seria nenhum drama e o bastonário da Ordem dos Médicos reclamou um reforço de mais de mil milhões de euros. Os pagamentos em atraso estão a aumentar (só à indústria farmacêutica e de Julho para Agosto cresceram 38 milhões de euros), mas defende que não será necessário um orçamento rectificativo. Como é que isto se vai resolver?
Vai-se resolver com sentido de responsabilidade. Os factos falam por si. O governo anterior, no início do ano de 2015, tinha fixado como meta orçamental terminar o exercício com menos 30 milhões de euros. Os dados provisórios que serviram para que elaborássemos o orçamento deste ano apontavam para - 259 [milhões de euros]. Os números definitivos confirmados pelo INE apresentaram afinal um saldo de - 372. Estamos a falar, portanto, de um desvio superior a 12 vezes. A existência de um défice superior agrava aquilo que chamamos as condições de partida. A dívida nasce sempre do défice. Não há dívida sem défice.

Mas, afinal, qual é o montante da dívida que herdou?
Vamos arrumar a questão do défice que gera dívida. Houve em 2015, no primeiro semestre, injecções extraordinárias de capital que fizeram entrar no sistema cerca de 365 milhões de euros. Nós não fizemos nenhuma injecção extraordinária desse montante e, portanto, a oposição está a comparar ciclos de dívida diferentes. O que importa é, no final do ano, respondermos a esta questão: vai ou não o actual Governo fechar o ano com um volume de dívida e com um prazo médio de cumprimento igual, pior ou melhor?

Não especificou o valor da dívida herdada. O anterior ministro disse logo à partida que encontrou uma dívida de mais de 3 mil milhões de euros.
Ninguém discute que o SNS acumulou ao longo de muitos anos, por via do subfinanciamento, ineficiência, má organização, défices que geraram dívidas que não vieram apenas do governo do PS. Basta, aliás, ver a sucessão de orçamentos rectificativos feitos por governos do PSD e do CDS. Há um problema de subfinanciamento crónico do SNS que recorrentemente se traduz na acumulação de dívida a fornecedores e cujo pico se terá feito sentir em 2011. Razão pela qual, com o apoio da assistência externa, foi possível fazer uma regularização extraordinária. No ano passado, o saldo [dívida] era superior a 1300 a 1400 milhões de euros e aquilo que procuramos é que seja mantido, que não seja agravado. Estamos, neste mês de Setembro, a fazer um grande volume de pagamentos e até final do ano continuaremos a prosseguir o objectivo de fechar o ano com o não agravamento do stock de dívida. Estamos a falar de um contexto em que repomos rendimento e aumentamos em cerca de 3 800 o número de profissionais, abrimos novos serviços e novas valências.

Mas os profissionais parecem estar zangados. Os médicos ameaçam fazer greve, os enfermeiros têm uma nova greve marcada para Outubro, os técnicos de diagnóstico também.
Há um consenso sobre o que são as necessidades reais de financiamento. Todos sabemos há muitos anos que [o financiamento] está aquém do que seria necessário para dar cobertura universal, geral, e um acesso que seja equitativo. Ou seja, fazer cumprir o artigo 64º da Constituição tem um preço e esse preço não está definitivamente estabelecido nem consensualizado na sociedade portuguesa. Sabemos que para realizar a Constituição na sua plenitude os recursos que temos são insuficientes. Mas temos feito milagres com esses recursos. A [recente] classificação de Portugal no 22º lugar no contexto de 188 países é a maior demonstração de que temos sido eficientes, racionais, conseguimos construir  um sistema de protecção social que é custo-efectivo. Claro que nos falta dinheiro. Mas também não estamos ainda infelizmente no que chamaríamos os óptimos de eficiência. Temos desperdício, problemas de organização interna, redundâncias de serviços.

Quais têm sido os resultados do combate ao desperdício e à fraude?
Todos os dias há resultados, [por exemplo] quando evitamos gastar o que sabemos que gastaríamos se não tivéssemos sistemas de vigilância e de detecção de comportamentos incorrectos. Hoje temos um portal do SNS, um instrumento único de transparência. Mas a prestação dos cuidados de saúde é muito dependente do dinheiro público. Mesmo os acordos com entidades convencionadas, os medicamentos e as PPP´s [parceiras público-privadas] dependem do dinheiro que vem dos impostos. Há uma dependência enorme do dinheiro público. [Neste contexto], é evidente que pode haver riscos de ineficiência ou até de má utilização de recursos.

Nas Grandes Opções do Plano para o próximo ano, na rubrica do combate à fraude surge o valor de 200 milhões de euros no horizonte até 2020. É isto que está a pensar poupar?
Não estou certo do número de que está a falar, mas todos os estudos internacionais e nacionais consideram que aquilo que é má despesa (fraude e ineficiência) pode ascender a 10, 12, 14%. Não temos uma quantificação objectiva fina. Dou-lhe exemplos: se reduzíssemos a demora média inapropriada dos hospitais portugueses iríamos ter ganhos de eficiência muito grandes. Dir-se-á então: por que não melhora [este indicador] rapidamente? A resposta é complexa. Nalguns casos é por má organização dos hospitais, mas também porque pode haver dificuldades na colocação dos doentes na rede de cuidados continuados, problemas sociais e pobreza que fazem muitas vezes com que famílias peçam aos hospitais para que o doente fique mais algum tempo. E também admito que nalguns hospitais os recursos não sejam suficientes. Há um trabalho enorme para fazer que se faz numa legislatura.

Lembro-me de um objectivo que definiu e que passava por diminuir em 225 mil episódios de urgência este ano. Mas as urgências até estão a aumentar.
O que dissemos no início do ano era que entendíamos que devíamos fixar como objectivo uma redução de 3,7%, uma meta até pouco ambiciosa, para reorientar os doentes, sobretudo os menos urgentes, para cuidados de proximidade. Naturalmente o primeiro semestre não decorreu como nós gostaríamos. Há uma grande atracção pelo serviço de urgência que não resulta apenas de não haver cuidados de proximidade, porque, se formos ver como se comportam as urgências no sector privado, nalguns casos crescem mais ainda do que no sector público. Mas só neste segundo semestre é que teremos os cerca de 300 médicos de família [que foram recentemente contratados] em plenitude de constituição de listas [de utentes]. Isso só estará terminado no final do ano.

Qual será o impacto dessa medida?
Estes médicos vão dar resposta a mais 500 mil pessoas. [Por isso] pôr o foco sobre as dificuldades, quando entre Janeiro e Agosto de 2015 terão saído cerca de 320 médicos [aposentados] e este ano esse número baixou para metade… Temos também sinais concretos de médicos que estavam fora do SNS e que se propõem regressar. Temos uma trajectória que é muito positiva para o fim da legislatura. Caberá apenas ao Governo criar condições de atractividade para que esses médios voltem a gostar de trabalhar no SNS.

Os que estão no SNS reclamam a reposição do valor das horas extraordinárias. Quando é que isso vai acontecer?
Estamos a preparar o Orçamento de Estado. O que faz mal ao país é ter actores políticos que perdem a visão de conjunto. Estamos a estudar as condições objectivas que permitam que os médicos possam fazer o trabalho extraordinário que é necessário dentro do SNS e para reduzir até ao final da legislatura a dependência do trabalho de empresas de prestação de serviços ao mínimo. Este trajecto é um trajecto de legislatura.

Esta semana no Parlamento disse que só a reposição de salários representa mais de 100 milhões de euros. Como é que é possível fazer mais com o mesmo dinheiro?
Estamos a repor remunerações a mais de 122 mil profissionais. Este é talvez o maior investimento que estamos a fazer nos últimos anos, o investimento nas pessoas. Investimento não apenas na remuneração, mas também no recrutamento: mais mil médicos, mais 1600 enfermeiros.

Quando fala em 3800 novos profissionais está a somar a este número o dos médicos internos do ano comum?
Sim. No conjunto, temos um rácio muito bom de médicos por 100 mil habitantes, em termos europeus. Mas há um problema. Há um efeito de bossa de camelo invertida. Há muita gente a entrar, mas temos uma concentração enorme de médicos acima dos 55, 60 anos. A obrigação do Governo é olhar para o detalhe da demografia médica. E há especialidades em que vão sair 30% dos efectivos daqui a três, quatro, cinco anos.

Qual são as especialidades em que se corre esse risco?
Medicina interna, anestesia, ortopedia, ginecologia e obstetrícia. Mas a esmagadora maioria das 40 e tal especialidades não tem falta de recursos. Estamos convictos de que, no final desta legislatura, no ano em que se completam 40 anos do SNS, Portugal terá um SNS arrumado. Arrumado no bom sentido do termo. Com condições de olhar para o futuro, com estabilidade, focando-se a partir daí na qualidade do trabalho e estabilizando as relações que têm sido muito instáveis entre público e privado.

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Quanto dinheiro seria necessário para concretizar tudo aquilo que planeou fazer?
Depende do sucesso das medidas. Isto é um sistema de vasos comunicantes. Se eu poupar um dia de demora média nos hospitais, posso dizer ao ministro das Finanças que não preciso de mais orçamento. Estou a caricaturar, mas, se conseguir que a quota de genéricos aumente 10%, vou buscar mais umas dezenas de milhões de euros. Se conseguir uma utilização racional do medicamento, se conseguir que não haja polimedicação e sobremedicação em Portugal – muitas vezes devida à falta de tempo que os médicos têm para dialogar com os doentes –,  vou buscar mais umas dezenas de milhões de euros. Antes de ir bater à porta do ministro das Finanças, devia estar uma semana [a enumerar] os remédios.

E quais são esses remédios?
Um estudo apresentado no tempo do Governo anterior dizia que, se os hospitais funcionassem, como eu disse então, com alguma ironia, em condições ideais de temperatura e humidade, podíamos poupar 800 milhões de euros. Ora 800 milhões de euros davam-me para a legislatura toda.

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