Convulsão social ou peste bubónica: o que levou à queda da população no Alentejo?

No século VIII, os povoamentos no Alentejo são abandonados e a população volta para os campos. As razões para este êxodo continuam desconhecidas.

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análises efectuadas aos indivíduos que foram enterrados em Ervidel, confirmou-se que não são naturais da região mas sim do mediterrâneo oriental Pedro Cunha

O Plano de Minimização de Impactes no Património Arqueológico no território sob influência do Alqueva, que decorreu entre 1997 e 2010, trouxe uma visão radical da história da região após os levantamentos efectuados em mais de 1700 sítios e vestígios arqueológicos. E um dos temas resultante desse extenso trabalho de pesquisa, que tem merecido a atenção dos investigadores, incide nas dúvidas sobre o que terá acontecido no período de um século entre a passagem da Idade do Bronze para a I Idade do Ferro, mais concretamente no século VIII, em que a população reduziu muito.

Os levantamentos de informação realizados em vários pontos do território apontam para “uma diminuição abrupta da demografia", referiu ao PÚBLICO o arqueólogo António Monge Soares. Esta decorre precisamente num contexto em que os grandes povoamentos no Alentejo Central e Baixo Alentejo “são abandonados” e as comunidades que neles residiam retornam aos campos.

O arqueológo Miguel Serra, que há vários anos dirige as escavações no Outeiro do Circo - o maior povoado conhecido no sul do país, com uma área de 16 quilómetros quadrados - defende que o “retorno” ao campo das populações residentes nos grandes aglomerados é resultado de um colapso político que surgiu na viragem para a Idade do Ferro, quando “o mundo do Bronze Final parecia caminhar para a emergência de um sistema urbano em algumas regiões”. Serra refere que o fim deste mundo terá acontecido depois de ter atingido o seu apogeu, “através da estruturação, organização, hierarquização e consolidação de um modelo de povoamento, que desapareceu durante o 1º quartel do I milénio a. C devido ao impacto provocado pela presença e influência fenícia”, que tinham estabelecido feitorias na costa hoje alentejana.

As suas armas de combate cingiam-se a “novas técnicas e materiais de construção, ao controle da metalurgia e das rotas comerciais e à divulgação de outros rituais fúnebres”, descreve o arqueólogo, que há vários anos dirige as investigações no Outeiro do Circo.

Assim, a mudança de paradigma social que terá determinado o regresso ao campo das comunidades do sudoeste peninsular foi sendo consensualmente aceite, até que surge uma nova hipótese, “muito sedutora”, admite Miguel Serra, e que associa a fuga das populações para o campo a um surto de peste bubónica que terá provocado “uma diminuição demográfica abrupta” no sudoeste peninsular.

Uma equipa internacional de pesquisadores liderados por Eske Willerslev, da Universidade de Copenhaga, publicou na revista científica Cell, em Outubro de 2015, um estudo onde se refere que a bactéria causadora da doença já circulava pelo menos há 3 mil anos, em plena Idade do Bronze.

Naquela época, a bactéria era, provavelmente, menos perigosa para os seres humanos mas no início do primeiro milênio a. C., “o agente patogénico tinha-se transformado de uma bactéria relativamente inofensiva num dos germes mais mortais que a humanidade já conheceu”, concluiu o estudo.

Monge Soares adiantou ao PÚBLICO que a evidência de um surto de peste bubónica “não passa de uma hipótese de trabalho” que está em análise e, como tal, carece de confirmação.

O que se sabe de concreto, e que os arqueólogos confirmam, é que houve “uma diminuição abrupta da demografia” precisamente entre o final da Idade do Bronze e a emergência da I Idade do Ferro. Em simultâneo, os grandes povoados da região “desaparecem e nunca mais são procurados”. Por fim, está comprovado o hiato entre o século VIII e VII em que escasseiam a informação e os enterramentos humanos. Até que, recentemente, foi descoberto em Ervidel, uma freguesia do concelho de Aljustrel, uma sepultura colectiva daquele período, com 20 indivíduos inumados, pormenor que contraria o enterramento individual que tinha lugar desde o final do Calcolítico.

“Uma das razões que nos levou a aprofundar as investigações reside precisamente na mudança de ritual, da passagem dos enterramentos individuais para os colectivos”, salienta Monge Soares, frisando que falta conhecer as razões que impuseram esta mudança cultural.

Acontece, que após análises efectuadas aos indivíduos que foram enterrados em Ervidel, confirmou-se que não são naturais da região mas sim do mediterrâneo oriental.

Ainda sem conclusões definitivas, Monge Soares aguarda pelos resultados de mais investigações para conseguir concluir se foi um colapso social ou um surto de peste bubónica que provocou a “fuga” das pessoas para o campo., E assim, explicar cabalmente a origem dos agora tão atraentes “montes”.

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