Um pequeno suspiro de alívio

Da noite para o dia, as coisas mudaram. Pela primeira vez, ouve-se falar um pouco menos do medo de que Trump ganhe.

Nova Iorque, EUA. — Os últimos dias aqui tinham sido de pré-pânico para os liberais e progressistas que apoiam Hillary Clinton.

Para os obcecados por política o alarme soou quando Nate Silver, o jovem veterano das sondagens que reconfortava a esquerda em campanhas passadas, declarou: a corrida está empatada, Trump tem 50% de hipóteses de ganhar e “as linhas de tendência são terríveis” para Hillary Clinton. Na rua, em conversa com os habitantes deste bastião do cosmopolitismo, a diferença sentia-se no tom de voz. A mesma frase, “Trump não pode ganhar”, era dita com condescendência há quinze dias, incredulidade na semana passada, e tremura na voz nas horas antes do debate. Primeiro significava “isto não vai acontecer”; depois, “isto não pode acontecer”.

No fim de tarde de segunda as pessoas saíram em massa dos empregos para ver um debate que se tinha tornado mais decisivo do que nunca. Nos primeiros trinta minutos os piores receios dos clintonistas confirmaram-se. Os meus também. Ali estava como era possível ganhar um debate insultando, atacando e brutalizando, como Trump estava a fazer. A pior notícia possível para a democracia, norte-americana e não só.

A democracia na América não está bem de saúde. O Congresso está bloqueado e nos últimos anos aproximou o país da bancarrota voluntária duas vezes. O Supremo Tribunal está empatado e o Presidente não consegue fazer aceitar a nomeação do juiz em falta. O resultado das próximas eleições nos EUA terá impacto por mais de uma geração em questões de liberdades e direitos cívicos, porte de armas e influência do dinheiro na política. E, a partir daí, influenciará o resto do mundo.

Está muito mais em jogo nestas eleições do que um cargo na Casa Branca, por importante que ele seja. Está em jogo o tipo de cultura política que vamos ter para os próximos tempos. Está em jogo a paz e a estabilidade internacional. Está em jogo a seriedade com que os EUA olham para as alterações climáticas e, portanto, o planeta.

Por isso, foi um alívio quando Trump tropeçou na casca de banana que Clinton lhe estendeu ao falar da fortuna que ele herdou e na forma como a gere. A partir daí, o debate mudou. Clinton ganhou em todos os segmentos — crime urbano e violência policial, questões sociais, política externa. E isso fez a diferença. Um empate teria deixado intocada a evolução nas sondagens, favorável para Trump. Uma vitória de Trump teria semeado a confusão no campo de Clinton. Só uma vitória de Clinton, conseguida com preparação e disciplina, mas parecendo quase milagrosa para quem via o debate desde o início, permitiria mudar a dinâmica da campanha.

Da noite para o dia, as coisas mudaram. Pela primeira vez, ouve-se falar um pouco menos do medo de que Trump ganhe, um pouco mais do orgulho em levar a primeira mulher à Casa Branca, e bastante mais do respeito que Hillary Clinton merece. Este pequeno suspiro de alívio pode transformar-se em entusiasmo.

Mas para já é apenas um pequeno suspiro de alívio. Até dia 8 de novembro, continuamos de respiração suspensa.

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