Morreu Curtis Hanson, o realizador de L.A. Confidential

Wonder Boys – Prodígios e 8 Mile são dois outros filmes marcantes na carreira do realizador americano, que desaparece aos 71 anos.

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Curtis Hanson Reuters

A notícia surgiu na madrugada desta quarta-feira, nas agências e na imprensa internacionais, com um título comum: “Morreu o realizador de L.A. Confidential”.

Compreende-se a “rendição” perante este filme com que Curtis Hanson revisitou o lado mais sombrio da Los Angeles dos anos 50, onde o próprio realizador cresceu, e simultaneamente o melhor do cinema negro clássico americano.

Realizado em 1997, L.A. Confidential conseguiu congregar o sucesso de público – rendeu, segundo as contas da Variety, 126 milhões de dólares (perto de 112,7 milhões de euros) – com a boa recepção crítica; e só não ganhou mais do que dois dos nove Óscares para que fora nomeado (o de melhor actriz secundária para uma fantástica e perturbante Kim Basinger; e o de melhor argumento adaptado para o próprio Hanson e para Brian Helgeland, que trabalharam juntos sobre o romance de James Ellroy) porque esse foi também o ano de… Titanic.

Curtis Hanson (1945-2016) morreu ao final da tarde de terça-feira na sua casa em Hollywood Hills, de “causas naturais”, segundo a informação da polícia, que pelas 17h00 (hora local) fora chamada à residência onde o realizador habitava, e padecia, desde há alguns anos, da doença de Alzheimer. Não foi confirmada a notícia dada em primeira mão pelo site TMZ de que tinha sido vitimado por um ataque cardíaco.

Russell Crowe – um dos actores que integrou o assombroso naipe de intérpretes de L.A. Confidential, ao lado da já referida Kim Basinger mas também de Kevin Spacey, Danny DeVito, David Strathairn, Guy Pearce – manifestou-se, no Twitter, “obviamente perturbado” com a morte do cineasta. Rob Lowe, outro actor de um dos seus filmes (Influência Fatal, 1990), disse que ia “ter saudades” de Curtis Hanson. “Foi uma honra ter trabalhado com ele. Era tão vivo, tão gentil, e um grande contador de histórias”, acrescentou Lowe, citado pelo The Guardian.

L.A. Confidential fica, sem dúvida, como o título mais brilhante das quase duas dezenas de filmes que Curtis Hanson realizou ao longo de quatro décadas. Mesmo se se trata de uma viagem sem contemplações ao mundo sombrio do crime e da corrupção numa L.A. em que tantas vezes a acção da polícia se cruza com os bastidores de Hollywood.

Na altura, o crítico de cinema da Rolling Stone, Peter Travers, agora citado pelo The New York Times, classificou L.A. Confidential como “um filme duro, belíssimo, que nos transporta para o tempo em que as coisas eram bem-feitas em Hollywood”. E em 2001, em entrevista ao The Guardian, Hanson justificou a realização do filme com o seu desejo de contar uma história sobre o lugar e a época em que ele próprio tinha crescido. “Eu queria lidar com isso, e simultaneamente abordar um tema que me interessava, que é a diferença entre a ilusão e a realidade, a forma como as pessoas e as coisas muitas vezes parecem ser o contrário daquilo que realmente são. E Hollywood, na verdade, é a cidade da ilusão”, disse então Hanson.

A possibilidade de o realizador concretizar este seu projecto em plena Hollywood fora-lhe, entretanto, criada pelo razoável sucesso dos seus dois filmes imediatamente anteriores: Rio Selvagem (1994), um violento confronto entre Meryl Streep e Kevin Bacon, numa viagem rio abaixo inicialmente preparada como um passeio familiar, mas que depressa se transformou numa corrida de morte e sobrevivência; e A Mão Que Embala o Berço (1992), um thriller em que Rebecca De Mornay aparece no seio de uma família como uma “ama” modelo, mas depois se manifesta uma presença de pesadelo.

Já depois de L.A. Confidential, dois outros títulos vão reforçar a marca autoral de Curtis Hanson na galeria de Hollywood: Wonder Boys – Prodígios (2000) e 8 Mile (2002). No primeiro, Michael Douglas é um escritor e professor de inglês em crise, tanto na vida familiar como criativa, e em conflito com o seu editor (Robert Downey Jr.). Em 8 Mile, Kim Basinger regressa ao ecrã de Hanson, fazendo a mãe de um rapper nas ruas agitadas de Detroit. Mas a revelação do filme é Eminem, o rapper – músico, compositor e intérprete tornado famoso com o lançamento do disco The Real Slim Shady (1999) –, que não teve dificuldade em assumir uma personagem que parece ter muito de autobiográfico. “A sua presença no ecrã é eléctrica”, escreveu Peter Travers.

Nascido na cidade de Reno, no Estado do Nevada, a 24 de Março de 1945, Curtis Hanson cresceu no Vale de San Fernando, em Los Angeles, e iniciou a carreira profissional como fotógrafo. Fez crítica de cinema e passou depois a trabalhar como argumentista (co-assinou, com Henry Rosenbaum e Ronald Silkosky, a história O Altar do Diabo; Daniel Haller, 1970). Foi também em filmes de género que assinou as primeiras realizações: Swett Kill (1972), uma história de terror, e Evil Town (1977, que assinou como Edward Collin), sobre zombies.

No final da primeira década dos anos 2000, a sua produção tornou-se menos notada, e a doença de Alzheimer não permitiria que concluísse o seu último filme, em 2012, com o título “premonitório” Realizar o Impossível, cuja rodagem abandonou a meio, e que seria terminado por Michael Apted.

Em paralelo com a carreira de realizador, Curtis Hanson tornou-se, em 1999, o primeiro presidente dos Arquivos de Cinema e Televisão da Universidade da Califórnia (UCLA), e em 2001 integrou a direcção da Academia de Hollywood.

 

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