Os impostos da inveja

Mais chocante do que a trica politica, é continuar a assistir à perseguição doentia de todo e qualquer fenómeno de detenção ou criação de riqueza.

Depois dos rumores quanto à intenção de mexer nos escalões do IRS, fomos agora surpreendidos com o anúncio da criação de um novo imposto sobre o património, pela mão do PCP e do BE. Na versão anunciada pelo PCP, o imposto atingiria todo o património (bens móveis e imóveis), ficando-se a versão anunciada pelo BE apenas pela tributação dos imóveis. Aparentemente será esta última versão que vingará. Pelo menos para 2017.

Neste momento, ainda não se conhece o texto final da proposta, sabendo-se apenas que se aplicará em paralelo ao IMI, sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis detidos. Existem, contudo, várias dúvidas por esclarecer, como seja saber-se qual será a fasquia a partir da qual se aplicará o imposto (aparentemente nos 500 mil euros), se haverá um ou vários escalões de tributação (isto é, um imposto progressivo semelhante ao IRS), e qual o percentual da taxa ou taxas a aplicar.

Segundo os seus promotores, a criação do novo imposto visa “agravar os impostos de quem foge ou escapa ao IRS porque paga taxas liberatórias”, dotando Portugal de mais justiça fiscal “para financiar medidas como a redução de impostos diretos, caso do IRS, eliminando já em 2017 a sobretaxa".

Nesta fase, e sem se conhecer o texto, a medida deve ser apreciada no plano dos princípios, suscitando várias perplexidades.

Desde logo políticas, com o anúncio atabalhoado da medida pelo PCP e pelo BE, em luta renhida por mais tempo de antena. Deixando de permeio o Governo numa posição secundária de vir a reboque explicar a medida.

Mas mais chocante do que a trica politica, é continuar a assistir à perseguição doentia de todo e qualquer fenómeno de detenção ou criação de riqueza, esquecendo que sem riqueza não é possível a Portugal levar a cabo novas politicas sociais. Claro que é muito mais fácil atacar e destruir a (pouca) riqueza que existe do que criar novas políticas de crescimento. Essas, infelizmente, nem vê-las, sendo gritante a incapacidade revelada nesta matéria pelo Governo. Portugal não pode deixar se condicionar por modelos sociais e de crescimento assentes nos velhos modelos soviéticos dos sofkhozes e kolkhozes, inspirados no medo, na inveja, e na delação ao partido de quem se atreva a destacar-se. É precisamente isso, e apenas isso, que está aqui em causa. Perseguir quem consegue amealhar algum património e faz girar a economia.

Mas também ao nível técnico e económico são várias as críticas que podem ser feitas.

Desde logo, ao nível constitucional, pela aparente violação do princípio da igualdade, do direito à detenção e transmissão da propriedade privada, e da criação de um novo imposto progressivo. Na verdade, estando os imóveis de valor patrimonial tributário de valor igual ou superior a 500 mil euros concentrados nas grandes cidades, serão apenas estes os casos atingidos. Por outro lado, obriga-se os cidadãos que já pagaram IRS aquando da geração do rendimento para adquirir os bens, IMT e Imposto do Selo na aquisição dos mesmos, e IMI na sua detenção, a pagar mais um encargo. Neste plano, importa entender como ficarão todos os contribuintes que adquiriram imóveis com recurso ao crédito bancário, e que portanto não são os donos económicos dos imóveis. Finalmente, e caso se confirme a adoção de um modelo com progressividade, esta será ilegal uma vez que a Constituição apenas o admite para o IRS.

Traduzindo a medida “por miúdos”, convém lembrar que muitos imóveis, ditos de valor, não geram receita suficiente – entretanto já tributada em IRS ou IRC - para acudir ao pagamento de mais impostos e à sua manutenção. Deve recordar-se o recente agravamento do valor patrimonial dos imóveis com base na vista ou no sol e a concessão de carta de alforria às Câmaras Municipais para promoverem livremente novas avaliações. Tudo isto, sem que exista a menor preocupação em que as novas medidas respeitem a capacidade contributiva de cada cidadão. Voltamos ao mesmo, devemos na lógica dos promotores vender tudo à “cooperativa” para assim nos encaixarmos no modelo social soviético que nos querem impor?

Além das preocupações expressas, não deixa de ser questionável a oportunidade da criação de um novo imposto para gerar 200 milhões de euros de receita, quando o Governo abdicou de valor semelhante para a entregar de mão beijada aos restaurantes. Afinal aonde está a justiça fiscal? Justificar a medida com o fim da sobretaxa que hoje já só é paga por aqueles que vão ser agora atingidos pelo novo imposto, só pode ser brincadeira.

Finalmente, assinale-se o facto de o novo imposto ser contrário às políticas de captação do investimento estrangeiro, designadamente dos programas do golden visa e dos residentes não habituais, deixando uma vez mais Portugal mal visto.

Como cantava saudosamente Amália, “tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado”.

Advogado Especialista em Direito Fiscal de PLMJ

jmr@plmj.pt

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