Carlos Alexandre: “Acredito que me queiram afastar de tudo”

Numa entrevista ao Expresso, o juiz responsável pela Operação Marquês diz-se isolado. Suspeita que é vigiado.

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Carlos Alexandre é o juiz responsável por alguns dos mais mediáticos processos judiciais do país Rui Gaudêncio

Carlos Alexandre, o juiz responsável pela detenção do antigo primeiro-ministro José Sócrates, no âmbito da Operação Marquês, receia estar sob vigilância e acredita que há quem o queira afastar do cargo que ocupa no Tribunal Central de Instrução Criminal. Numa entrevista ao jornal Expresso, publicada na edição deste sábado, o juiz não concretiza quem o está a vigiar ou o pretende afastar, frisando apenas que “há sempre interesses”.

“Acredito que me queiram afastar de tudo, deste sítio onde estou a trabalhar agora. Não estou a pensar em nenhum em concreto, mas há pessoas que gostariam de me ver longe dali”, adiantou. Questionado sobre se estaria a referir-se aos arguidos de processos que tem em mãos, Carlos Alexandre não concretizou: “Não sei. Há sempre interesses. Já tive vários incidentes de recusa nos processos e não interpreto isso como uma tentativa de afastamento”.

O juiz, que trata alguns dos casos mais mediáticos que chegaram à justiça nos últimos anos, reconhece que está em risco. "Como já me foi avisado, tenho de me cuidar".

Na entrevista agora publicada, Carlos Alexandre lembra a inspecção que a Autoridade Tributária fez às suas contas, um tema sobre o qual um dia falará, mas que recusou "densificar". Mostrou-se, contudo, disponível para fazer prova documental, caso seja questionado pelo presidente da Relação ou do Supremo. Fez alusão a pessoas que se deslocaram ao Alandroal, onde tem duas casas em ruínas, para perguntar onde era a sua casa, e também ao telefonema de alguém (que não quis especificar) para um amigo seu a questionar onde era a sua “mansão” naquela localidade.

Sem que tenha sido questionada sobre o assunto, fez questão de enumerar todos os seus bens, os seus ganhos e as suas despesas. “Acho que devo ser transparente e nem sequer peço aos outros que o sejam”, justificou.

O juiz do Central (como faz questão de dizer) volta a sugerir, tal como já tinha feito na entrevista que deu à SIC, que está sob escuta. “Falo sucintamente ao telefone, também não tenho muita conversa com muita gente, mas não posso falar muito tranquilamente ao telefone”, referiu, acrescentando que as suas palavras poderiam ser interpretadas de forma equívoca por “pessoas que tenham acesso a intercepções, as autoridades formais de controlo ou outras”.  

Questionado directamente pelos jornalistas do Expresso sobre se acha que é alvo de escutas, Carlos Alexandre replicou com uma pergunta: “Não sei, quem é que poderá ter interesse nisso?”

Recusando falar em concreto sobre a Operação Marquês (que envolve o antigo primeiro-ministro José Sócrates) e sobre o facto de terem passado dois anos sem que haja acusação, o "super-juiz" (cognome que diz detestar) apenas destacou que "em muitos processos há uma grande dilação temporal entre a instauração do inquérito e o despacho final". "Há ene processos que vão além do prazo normal e por isso é que a lei prevê algumas circunstâncias excepcionais", justificou.

Sucessão de escândalos financeiros é preocupante

Carlos Alexandre diz-se ainda preocupado com “a sucessão de escândalos na área financeira”, tanto pela “frequência” com que têm sido denunciados como pela “escalada de grandeza”.

“A sucessão de escândalos na área financeira leva-me a estar sempre preocupado sobre o que é que eu e outros cidadãos como eu, que são trabalhadores por conta de outrem ou por conta própria, que têm de cumprir com as suas obrigações fiscais, que não têm qualquer forma de fugir a elas, e não quer dizer que tivesse apetência para isso, o que é que ainda vão ter de suportar?”, respondeu, quando questionado sobre o país que vê da cadeira onde se senta na sala de audiências.

O juiz reconhece ainda que “o sistema [de justiça], tal como está, tem uma enorme dificuldade em resolver” os casos. “Há uma gritante falta de meios, porque enquanto são alocados tostões ao sistema de justiça, são alocados milhões a programas de recuperação bancária, ao resgate bancário”.

Na resposta sobre se tem ambições políticas para quando se retirar da magistratura, Carlos Alexandre foi desconcertante: “O sapateiro não deve ir além da chinela. Uma pessoa para ser político tem de ter muitas qualidades, versatilidades, tem de ter muito conhecimento, ser uma pessoa sociável, precisa ter outro feitio”.

“Se me deixarem, vou continuar a ser magistrado judicial. Se me deixarem, porque não há garantias. A gente nunca sabe o dia de amanhã”, rematou.

O Expresso garante que a entrevista a Carlos Alexandre foi realizada antes transmissão na SIC de uma outra entrevista ao magistrado. Foi, aliás, na sequência da reportagem daquela cadeia de televisão, que foi para o ar no início de Setembro, que a defesa do antigo primeiro-ministro José Sócrates apresentou um pedido de recusa do juiz, que é o responsável pelo processo da Operação Marquês.

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