Carga fiscal desce mas impostos indirectos continuam na mira do Governo

Mário Centeno admite mais impostos indirectos, sem passar pelo IVA. Fiscalidade verde é uma das áreas onde se espera mudanças no OE do próximo ano.

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A caça com chumbo é uma das áreas onde o Governo já admitiu que pode actuar no âmbito da fiscalidade verde Miguel Madeira/Arquivo

Ao segundo Orçamento do Estado (OE), o Governo mantém a estratégia: reduzir os impostos directos, aumentar alguns impostos indirectos e, no final, conseguir uma descida da carga fiscal. Foi assim no orçamento deste ano e, sendo também essa a trajectória prevista no Programa de Estabilidade, ficou nesta quarta-feira mais claro que no OE para 2017 haverá uma subida dos impostos indirectos. No Parlamento, o ministro das Finanças admitiu abertamente essa possibilidade, ao afirmar que as alterações fiscais vão repetir o “mesmo padrão do OE de 2016”.

Ora, o que o Governo previa para este ano era precisamente uma recomposição da receita, com os impostos directos a perderem peso e os indirectos a ganharem importância no total da receita arrecadada pelo Estado. Mas sempre sem comprometer uma descida da carga fiscal sobre a economia, o que Mário Centeno reafirmou nesta quarta-feira aos deputados da comissão de orçamento, finanças e administração pública. No Programa de Estabilidade de 2016 a 2020, apresentado à Comissão Europeia em Abril, o Governo já apontava para essa trajectória, defendendo que “promove a utilização dos factores produtivos, aumenta o rendimento disponível das famílias e melhora as condições sociais”.

No Programa de Estabilidade, o executivo prevê que a carga fiscal (impostos e contribuições sociais pagas pelas empresas e trabalhadores) baixe de 34,4% para 34,2% do PIB de 2015 para 2016, seguindo-se uma descida de apenas 0,3 pontos percentuais em 2017 (para 33,9% do PIB).

No Parlamento, Mário Centeno não adiantou que impostos poderão ser agravados e, para travar especulações, apenas disse no final da audição que não será aumentado o IVA, o imposto que mais receita gera para os cofres do Estado e que este ano foi reduzido parcialmente na restauração.

Este ano, a perda de receita associada à descida progressiva da sobretaxa de IRS (medida temporária que o executivo promete eliminar em 2017) foi parcialmente compensada por um agravamento dos impostos sobre os produtos petrolíferos, tabaco, veículos e imposto de selo (para as transacções sobre o crédito ao consumo). O imposto sobre o tabaco tem sido um alvo para angariar receita nos últimos anos, o que em 2016 voltou a acontecer com o argumento de “desencorajamento do consumo”.

Caça ao chumbo

Uma das áreas onde podem surgir novidades é na fiscalidade verde. Para 2017, o executivo já se comprometeu no Programa Nacional de Reformas (PNR) a revisitar medidas fiscais em áreas como a eficiência energética e energias renováveis, transportes, resíduos ou ordenamento do território. Tributar a caça com chumbo foi uma medida que o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, referia ao PÚBLICO ainda em Março como exemplo de uma área onde é possível actuar.

Para o pacote da fiscalidade verde, o PNR previa 560 milhões de euros do lado da receita e da despesa, o que indicia que será aplicado o princípio da neutralidade fiscal, em que os agravamentos são compensados por outras medidas de incentivos fiscais e vice-versa.

À margem da audição parlamentar, o ministro reforçou aos jornalistas que serão seguidas as orientações do Programa de Estabilidade, onde se prevê uma descida da carga fiscal. “Há um conjunto de impostos que não são alterados, por exemplo quando falamos no IVA, mas o Governo procurará no contexto de uma recomposição do esforço fiscal a forma de satisfazer este objectivo que está estabelecido no Programa de Estabilidade”, referiu, citado pela Lusa.

Antes, na discussão com os deputados, Centeno foi confrontado pelos deputados do PSD e do CDS sobre o que está a ser pensado, mas nunca revelou quais são os impostos estão em causa.

A declaração do ministro levou os partidos a retomarem um debate que, este ano, ocupou longas discussões nesta mesma comissão parlamentar sobre qual é a forma mais justa de redistribuir a riqueza: se pela via dos impostos directos ou indirectos. Ainda Centeno não falara e já Duarte Pacheco, deputado do PSD, afirmava: “A vossa vontade de arrecadar receita é brutal”.

“Vêm com esta ladainha dos impostos”, atirou mais tarde o deputado do PCP Paulo Sá, acusando os partidos do anterior Governo de terem aplicado uma “uma política fiscal iníqua” com consequências na desigualdade e no aumento da pobreza. Do lado do BE, Mariana Mortágua salientou a descida dos impostos sobre o trabalho e sublinhou que, quando se discute teoricamente o impacto dos impostos indirectos, sublinhou que “não é indiferente” o valor económico, por exemplo, entre o IVA aplicado sobre a electricidade e o imposto sobre o crédito ao consumo.

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