Acesso às contas bancárias é “restrição” necessária para combater a fraude, diz Governo

Rocha Andrade assume “sem problemas” que o envio obrigatório de informação bancária ao fisco tem custos em matéria de privacidade dos cidadãos.

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A medida sobre as contas bancárias tem uma “função preventiva”, diz Rocha Andrade Enric Vives-Rubio

O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, fez esta quarta-feira no Parlamento a defesa política da medida que vai obrigar os bancos a enviarem ao fisco informação sobre o saldo das contas bancárias acima de 50 mil euros, assumindo que ela diminui a privacidade dos cidadãos, mas que este é um custo necessário para combater a fraude e evasão fiscais.

Em resposta às críticas, Rocha Andrade reconheceu que haverá uma restrição de privacidade, uma das críticas feitas pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), ao considerar que o sigilo bancário fica fortemente abalado. Só que, entre “dois interesses em conflito” (de um lado, a protecção da privacidade e, do outro, o reforço dos instrumentos de transparência fiscal), a sociedade portuguesa tem de fazer uma “opção colectiva”, argumentou o secretário de Estado.

Na comissão de orçamento, finanças e modernização administrativa, o governante começou por deixar elogios ao executivo anterior no esforço de combate à fraude e evasão, referindo que outras medidas já implementadas quando foi criado o sistema E-Factura também foram feitas à custa de uma “enormíssima compressão da privacidade”. Não o disse em tom crítico, mas fazendo apenas uma constatação de facto que acompanha as análises da CNPD por causa do manancial de informação a que a AT tem hoje acesso.

Rocha Andrade, que tem na sua tutela a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), exemplificou com o facto de o fisco ter acesso ao “consumo mensal de água” de um cidadão, para reforçar a ideia de que os “custos de violação da privacidade existem”. “Não estou aqui a achar que é mau. É um custo que temos que aceitar para o combate à fraude fiscal”, vincou, colocando sempre a questão no plano político ao sustentar que este é um consenso internacional a que Portugal não pode fugir, sob pena de ficar do lado onde já é acompanhado “por muito poucos”.

Uma das reservas que leva a CNPD a considerar esta medida inconstitucional tem a ver com a interpretação de que há uma “restrição desnecessária e excessiva dos direitos fundamentais à protecção de dados pessoais e à reserva da vida privada”.

Hoje, o sigilo bancário já pode ser levantado em determinadas situações – por exemplo, quando há indícios ou risco de infracções fiscais. Para Rocha Andrade, o que está em causa é uma medida de “desincentivo à ocultação [de rendimentos] com uma função preventiva” porque vai permitir identificar a priori essas situações de risco. A medida, disse, via permitir fundamentar análises de risco, como se faz em relação a outros dados.

O destino do diploma está agora nas mãos do Presidente da República, que já levantou reservas em relação a uma medida com estas características. Ainda em Agosto, antes do diploma ser aprovado em Conselho de Ministros, Marcelo Rebelo de Sousa mostrou-se contra uma medida que permita o acesso aos dados do fisco “de forma indiscriminada”, mas não ficou claro se a sua posição coincide com as dúvidas de constitucionalidade levantadas pela Comissão Nacional de Protecção de Dados.

O diploma que gerou polémica vai obrigar os bancos, a partir do ano que vem, a enviarem à administração fiscal uma vez por ano informação sobre quanto é que um depositante que viva em Portugal tem no banco (sempre que o valor global ali depositado é superior a 50 mil euros). A medida acompanha a transposição para a lei portuguesa da directiva europeia sobre troca de informação fiscal e ainda do acordo FACTA com os Estados Unidos sobre as mesmas matérias.

Como, ao abrigo das regras europeias, a AT passará obrigatoriamente a receber informações sobre o saldo das contas detidas em Portugal por não residentes e das contas detidas por residentes no estrangeiro (para o fisco português trocar essa informação com as outras administrações fiscais), o Governo decidiu aplicar a mesma regra aos residentes em Portugal (neste caso para as contas acima de 50 mil euros).

O argumento foi recordado aos deputados pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, para não haver “cidadãos de primeira ou de segunda”, dando um exemplo: a directiva europeia já iria obrigar, por exemplo, os bancos a enviarem ao fisco informação sobre emigrantes portugueses na Bélgica ou França com contas nos bancos portugueses.

O Governo “assume sem problemas que esta solução tem custos” em matéria de privacidade. “Se tem custos? Sim, tem custos de privacidade, tal como tem o E-Factura, tal como têm outros mecanismos”, insistiu.

Esta é uma “opção colectiva da sociedade portuguesa”, argumentou, recuando algumas décadas para lembrar que se o fisco não tivesse passado a conhecer informação sobre os rendimentos obtidos com aplicações financeiras “hoje em dia provavelmente estas coisas eram tidas como elementos essenciais da privacidade”.

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