Queer Lisboa, 20 anos a sair do armário

João Ferreira, director do festival de cinema LGBT, faz o balanço de duas décadas

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João Ferreira fala do público como a âncora que tem permitido a sobrevivência do festival FOTO: NUNO FERREIRA SANTOS

A retrospectiva dedicada a Derek Jarman é claramente o ponto alto desta edição de aniversário do Queer Lisboa, que começou em 1997 como Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa, antes de assumir a sua actual designação em 2008. A escolha de Jarman, nas palavras de João Ferreira, director de longa data do festival, passou não apenas pelas “portas” que o seu nome abre para outros públicos, que reconhecem o realizador dos seus trabalhos na música ou no cinema experimental, como também pela presença regular dos seus filmes nas primeiras edições do Queer. É também um sinal da vontade do festival de começar a mostrar e a registar a história das representações LGBT no cinema.

“É bom chegar aos 20 anos e começar a fazer esse trabalho,” diz Ferreira, “porque queremos dar a conhecer aos espectadores essa história. Faz sentido neste momento, porque tanto o cinema queer como as representações da sexualidade LGBT no cinema mais narrativo são muito abrangentes.” Essa dimensão histórica vai estender-se à segunda edição do Queer Porto a decorrer em Outubro, onde irá haver uma pequena retrospectiva dedicada aos filmes fundadores do New Queer Cinema americano, realizados durante a década de 1980. A retrospectiva será exclusiva da edição portuense, tal como Derek Jarman é um exclusivo de Lisboa – algo de deliberado. “O Porto tem uma vida própria, e por isso o festival tem de ter uma identidade própria,” explica o director. ”O Porto tem um público muito ligado a linguagens mais arriscadas, mais experimentais, e o grande prazer, e também desafio, é pensar no Queer Porto com títulos que fazem sentido para o Porto, ir ao encontro daquilo que o público está à espera.”

João Ferreira fala do público, precisamente, e da sua fidelidade como a “âncora” que tem permitido a sobrevivência do festival. Caso raro nos eventos nacionais, o Queer Lisboa tem mantido uma afluência praticamente inalterada ao longo dos últimos dez anos, entre os 7000 e os 8000 espectadores por edição, segundo os números oficiais divulgados pelo ICA (2015 foi o único ano onde o festival desceu, com 6000 espectadores). “Não sofremos grandes oscilações,” diz o director. “Há um público fiel que vai todos os anos, e é muito gratificante sentir que aquelas pessoas – que não são poucas - continuam a gostar do festival e se foram adaptando ao modo como nos fomos reinventando. Há também uma nova geração que vai aparecendo, sobretudo de público universitário. Claro que gostava de crescer todos os anos, mas fico muito feliz no panorama actual por conseguirmos manter os espectadores. Temos consciência da quantidade de eventos que existem, e do limite até onde podemos crescer.”

Acima de tudo, o Queer nunca perdeu a vontade de “sair do armário”, para usar um trocadilho já gasto. “Nunca pensamos direccionados a um gueto, pensamos sempre em títulos que possam não ser óbvios para o festival, que podem interessar a toda a gente, num público muito alargado.” Cita a presença em abertura, este ano, de Absolutely Fabulous, a versão grande-écrã da popular comédia televisiva da BBC, como exemplo disso. “Ao longo dos anos as dificuldades pelas quais passamos ajudaram-nos sempre a repensar o festival. Soubemos reinventar-nos, e temos conseguido construir uma relação muito sólida com os nossos parceiros, institucionais ou privados.” Mas o director não nega alguma frustração com o facto de, hoje, os festivais de cinema serem praticamente o único espaço de visibilidade para filmes menos evidentes. “Já tive mais essa frustração do que tenho agora, porque senti durante muito tempo que não existia vontade dos distribuidores e das salas de arriscar especificamente no cinema queer. Hoje acho que isso está generalizado para o cinema independente como um todo. O mercado mudou completamente, está cada vez mais limitado, e os distribuidores sabem que os festivais são a única fonte de rendimento para a maioria dos seus filmes. Isso torna o nosso trabalho mais importante, mas continuo a sentir que há filmes com potencial que não conseguem existir para lá dos festivais.”

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