Programas de regresso ao superior passam a um e só para alunos carenciados

Governo extingue programa Retomar e integra-o no Mais Superior, que terá novas regras. Associações académicas estão contra.

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Os apoios de 1500 euros anuais serão só para famílias que já beneficiam das bolsas de acção social Adriano Miranda (arquivo)

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) decidiu fundir os dois programas lançados pelo anterior executivo para atrair mais jovens para o ensino superior. A tutela já tinha avançado que considerava que o Mais Superior e o Retomar não tinham cumprido os objectivos a que se propunham e apresentou agora a nova solução, destinando os apoios de 1500 euros anuais em exclusivo aos estudantes provenientes de famílias com carências económicas e que já beneficiam das bolsas de acção social. As associações académicas são críticas da proposta do ministro Manuel Heitor.

A primeira surpresa da proposta de despacho do ministro do Ensino Superior é o desaparecimento do programa Retomar, que era destinado a chamar de volta às universidades e politécnicos os alunos que tinham anteriormente deixado os estudos. Quando anunciou, em Abril, estar a rever os dois programas de apoio do ensino superior, o MCTES tinha afirmado que o Retomar iria ser reorientado para privilegiar cursos em áreas ligadas às tecnologias e ao digital, integrando-o na iniciativa para as competências digitais inscrita no Plano Nacional de Reformas.

No entanto, esse programa Retomar — que conferia uma bolsa de 1200 euros anuais aos estudantes — é extinto.

“Diria que o antigo Retomar não foi acabado, foi integrado [no Mais Superior] com uma nova orientação, ficando os apoios públicos focados nas famílias de jovens carenciados”, disse o ministro Manuel Heitor num encontro com jornalista na sexta-feira. “Hoje, qualquer família, qualquer jovem sabe, ou pode estimar, se tem acesso à Acção Social Escolar ou não. O Mais Superior é um adicional que se dá aos jovens carenciados para irem para regiões onde há menos procura” de ensino superior, nomeadamente no interior do país.

“Para além deste adicional, a nossa proposta é que, associando o Mais Superior à Acção Social Escolar, este seja um estímulo, um acrescento, com duas majorações: para os estudantes que vêm do ensino profissional e para os adultos que nunca tenham ingressado no superior”, acrescentou.

O Mais Superior, um apoio destinado a cativar estudantes para instituições das regiões do interior, passa a abranger também os estudantes que interromperam os seus estudos. As bolsas, num valor de 1500 euros anuais, podem ser requisitadas quer por estudantes que reingressam no mesmo curso que anteriormente frequentaram, quer por aqueles que mudam de instituição de ensino e/ou curso.

Académicas contra

A intenção do Governo é que estas mudanças entrem em vigor já no ano lectivo que começa esta semana, estando neste momento a discutir com as associações académicas o conteúdo do despacho que vai fixar as novas regras do Mais Superior. As estruturas que representam os estudantes do ensino superior são, no entanto, críticas das mudanças que o MCTES pretende introduzir, desde logo a fusão dos dois programas. Estas bolsas de mobilidade apoiam reingressos no ensino superior, o que “não configura combate ao abandono escolar pois não trata o problema preventivamente”, criticam os estudantes num parecer enviado na quinta-feira ao ministro.

Além disso, a medida “fracassa porque a maior parte dos reingressos resulta de percursos mal sucedidos no passado” e que, por isso, não podem ser enquadráveis nas regras do regulamento de atribuição de bolsas de estudo a estudantes do ensino superior. Ou seja, se um aluno tiver abandonado os estudos devido a insucesso escolar, não cumprirá as regras no momento em que retomar o seu curso — o regulamento de bolsas obriga a terminar um mínimo de 60% das “cadeiras” no ano anterior.

Outra das mudanças fundamentais que o Governo quer fazer no Mais Superior é a de destinar os apoios em exclusivo a alunos oriundos de famílias economicamente carenciadas. Para aferir as condições dos alunos, passam a ser tidos em conta os mesmos critérios que hoje regem a atribuição das bolsas de acção social.

No parecer enviado ao ministro, subscrito pela Federação Académica do Porto, pela Federação dos Estudantes do Ensino Superior Politécnico e pelas associações académicas de Lisboa, Minho, Aveiro e Trás-os-Montes e Alto Douro, os estudantes dizem ser “contra” esta intenção.

“Não se pode interpretar isto de forma diferente de um reconhecimento, por parte do Governo, de que o sistema de acção social é ineficiente e que os valores atribuídos a título de bolsa de estudo não são suficientes”, criticam as associações.

Os programas Retomar e Mais Superior foram revistos pela tutela por “não terem atingido os objectivos inicialmente fixados”, justificava, em Abril, o ministério de Manuel Heitor, considerando logo nessa altura ser “imperioso garantir uma resposta mais bem-sucedida ao desafio do combate ao abandono escolar”. O primeiro destes programas devia ter atribuído 3000 bolsas por ano, segundo as contas do anterior Governo. Todavia, no primeiro ano, 2014/15, foram atribuídas 195 bolsas (num total de 482 candidaturas), um número que baixou no ano seguinte para 133.

Já o Mais Superior esgotou sempre os mil lugares disponíveis nos dois anos em que vigorou. Ainda assim, o MCTES entendia que havia problemas no “modelo de selecção dos candidatos”, que não permitia que este programa “funcionasse como um verdadeiro estímulo à deslocação” para o interior.

A outra mudança na organização do Mais Superior é o seu alargamento aos estudantes que se inscrevem em cursos técnicos superiores profissionais, que o Governo reformulou este ano, passando a fazê-los equivaler a um diploma de ensino superior. Para quem entrar nestes cursos, bem como para os estudantes que ingressam em licenciaturas através do concurso especial para maiores de 23 anos, as bolsas de mobilidade têm uma majoração de 15% (cerca de 225 euros por ano). De fora destes apoios continuam a ficar os estudantes de mestrado.

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