Da guerra, às selfies e aos champôs: as ameaças aos grandes símios

Os nossos parentes mais próximos estão em risco de desaparecer e a culpa é dos humanos que os caçam, que os acham “fofos” e não têm cuidado no consumo.

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Um bonobo salvo do tráfico ilegal na República Democrática do Congo Junior D. Kannah/AFP

A caça ilegal é uma das principais ameaças aos grandes símios e é o reflexo das fragilidades dos países onde eles ainda habitam. As redes de caça furtiva estão cada vez mais sofisticadas e adoptam hoje as práticas do crime organizado, avisam os especialistas. É um negócio lucrativo — e esse é o grande problema. Segundo as estimativas, o mercado ilegal de caça vale cerca de 17 mil milhões de euros todos os anos — um número próximo de uma das principais rotas do tráfico de droga do mundo.

Há menos de uma semana, a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) alertou que as espécies de chimpanzés e gorilas, em África, e os orangotangos, no Sudeste Asiático, estão mais perto da extinção. Além das guerras e do aumento da agricultura, o negócio da caça tem sido um dos factores para o desaparecimento destes animais.

“Temos visto cada vez mais redes de crime organizado a entrarem no negócio da vida selvagem”, dizia Davyth Stewart, agente da Interpol, em 2014 à BBC. “Grupos que estavam tradicionalmente envolvidos no tráfico de drogas, de armas e de seres humanos estão agora a entrar na vida selvagem.”

O crescimento desta actividade ilícita está ligado à facilidade, ao baixo risco que acarreta e à grande procura por estes animais. As penas são leves e a elevada corrupção em muitos dos países onde a caça ilegal acontece são factores que parecem promover estas práticas. Nos Camarões, por exemplo, onde os chimpanzés e gorilas estão em perigo, as penas vão até três anos de prisão, no máximo, mas a maioria dos traficantes acaba por conseguir condenações mais leves.

“Os crimes contra a vida selvagem ainda não são vistos como crimes graves nos Camarões, nem mesmo pelos responsáveis envolvidos na luta contra o crime ao nível do estado”, contava Eric Kaba Tah, vice-director da organização não-governamental africana de defesa dos animais Last Great Ape Organization, ao canal de notícias à Al-Jazira. Mas mesmo que as penas sejam fortalecidas, bastará um suborno para que os responsáveis pela caça furtiva escapem à prisão.

Naftali Honig, dirigente do Projecto para a Aplicação da Lei da Vida Selvagem para a Fauna na República Democrática do Congo, considera a corrupção como o maior problema em conter a caça. “Há sempre um telefonema, há sempre o amigo de um amigo, há sempre alguma razão para que o caso seja esquecido, minimizado ou até abandonado. É algo muito omnipresente”, diz à BBC.

A culpa é das estrelas

Há quem defenda, porém, que a raiz do problema está na procura pelos espécimes em risco. E aí o foco deixa as florestas tropicais ou a savana africana e passa a estar bem mais próximo do quotidiano ocidental. As fotografias de celebridades a posar com crias de orangotangos ou gorilas — aparentemente, uma moda nas redes sociais — são uma das razões apontadas para o encorajamento da perseguição a estes animais.

Quem o diz é a Parceria para a Sobrevivência dos Grandes Símios das Nações Unidas, num relatório publicado em Maio. A modelo Paris Hilton e o ex-futebolista do Futebol Clube do Porto, James Rodriguez, são apenas alguns dos exemplos de celebridades que publicaram fotografias nas redes sociais com orangotangos bebés em jardins zoológicos privados no Dubai.

This is baby Dior. She's a lil princess ????

A video posted by Paris Hilton (@parishilton) on

“Estas fotografias são vistas por centenas de milhões de fãs, e enviam a mensagem de que posar com grandes símios — todos obtidos por meios ilegais e que enfrentam vidas miseráveis assim que crescem e se tornam demasiado grandes e fortes para serem pegados ao colo — é aceitável desde que sejam fofas”, diz Doug Cress, coordenador do programa da ONU. “Mas não é. É ilegal e contribui para a destruição de espécies já ameaçadas.”

A guerra civil na República Democrática do Congo (RDC) é um dos conflitos mais sangrentos desde a II Guerra Mundial — estima-se que tenham morrido cerca de 300 mil pessoas entre 1993 e 2005. Mas há vítimas que permanecem por nomear. Populações inteiras de bonobos, também conhecidos como chimpanzés-anões, foram quase totalmente dizimadas durante os anos do conflito. À medida que as cidades e aldeias eram atacadas por milícias e grupos armados, as pessoas fugiam para a selva e os chimpanzés passaram a fazer parte da alimentação quotidiana.

A Reserva Científica de Luo, na RDC, foi estabelecida na década de 1970 e tem uma área de 479 quilómetros quadrados, tornando-se num dos principais santuários para a conservação dos bonobos. Mas entre 1991 e 2003, a população passou de 250 para apenas 100. “Estas conclusões dizem-nos algo que assumimos ser verdade: as pessoas são muito destrutivas, sobretudo pessoas que estão a caçar e a invadir a floresta”, disse Annette Lanjouw, vice-presidente do Programa de Grandes Símios da Fundação Arcus, à revista Smithsonian. Hoje, apesar do fim do conflito, o bonobo continua a ser caçado para que a sua carne seja consumida, à medida que os tabus contra o seu consumo vão deixando de existir, alerta a União Internacional para a Conservação da Natureza.

A agricultura é outra das grandes ameaças à conservação dos grandes símios. Apesar de não ter um efeito tão directo como a caça, as suas consequências são igualmente devastadoras. Calcula-se que nas últimas duas décadas mais de 80% do habitat dos orangotangos em Bornéu e Samatra, duas grandes ilhas do Sudeste Asiático, tenha sido destruído e convertido em terreno agrícola. A exploração é sobretudo destinada à produção de óleo de palma — uma substância quase omnipresente em produtos quotidianos, desde os champôs às margarinas, passando pelos batons. As organizações ambientalistas têm apelado aos consumidores para evitarem comprar produtos sem um certificado de produção sustentável de óleo de palma.

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