Governo vai limitar acesso a planos de recuperação financeira

Medida aprovada em Conselho de Ministros restringe adesão às empresas, mas o Ministério da Justiça garante que famílias vão poder continuar a recorrer a esta alternativa à insolvência.

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Desde que foi criado, em Maio de 2012, o PER para as famílias foi usado por 3919 particulares ADRIANO MIRANDA

O Governo vai tornar mais difícil o acesso ao Processo Especial de Revitalização (PER), uma alternativa à insolvência que nos últimos quatro anos foi usada por quase oito mil famílias e empresas. A intenção é apertar ainda mais os critérios de adesão a este mecanismo, aumentar o quórum de credores necessário para avançar com a recuperação financeira e exigir certificados que comprovem que o devedor ainda não está falido.

Parte destas medidas foram inscritas numa resolução do Conselho de Ministros de 14 de Julho, que só foi publicada em Diário da República em Agosto e que elenca os eixos no Programa Capitalizar. No documento, que tem na base as propostas feitas pela Estrutura de Missão para a Capitalização de Empresas, é aprovada uma revisão dos passos que hoje têm de ser dados para iniciar um PER. Em vez da luz verde de um único credor, passa a exigir-se o acordo de “pelo menos 10% dos créditos não subordinados” (ou seja, dívidas que não pertencem a entidades ligadas ao devedor). Além disso, e especificamente para as empresas, será agora obrigatório que comprovem que não se encontram em insolvência, através de uma declaração de um Revisor Oficial de Contas ou de um contabilista certificado.

De acordo com a resolução, as duas medidas, que pretendem reduzir os casos em que é pedido um PER sem que exista possibilidade de recuperação, vão avançar no primeiro trimestre do próximo ano.

O documento traz uma outra novidade relativamente a este mecanismo, que foi criado em 2012 pelo anterior Governo PSD/CDS. “Reservar o recurso ao PER a pessoas colectivas”, refere, no seguimento da proposta feita pela estrutura de missão, que considerava que as famílias já tinham outras alternativas para negociar com os credores. A medida, igualmente apontada para o início de 2017, subentende que será vedado o acesso das famílias a este mecanismo, que, face à insolvência, é mais célere, mais propenso a acordos e tem a vantagem de suspender as acções de execução.

Questionado pelo PÚBLICO, o Ministério da Justiça esclareceu, no entanto, que essa não é a intenção. De acordo com a tutela de Francisca Van Dunem, que já em Julho tinha assegurado que as famílias iriam continuar a ter acesso aos planos de recuperação, o que está em causa é uma “clarificação dos pressupostos que permitem às empresas e aos particulares aceder ao PER”. Ou seja, os critérios de adesão vão ser revistos e haverá requisitos mais exigentes para usar este mecanismo. Actualmente, os pressupostos são muito vagos: podem aderir todos os devedores em situação económica difícil, desde que susceptível de recuperação. O ministério garantiu novamente que continuará a haver PER para os particulares, admitindo que a medida “poderia resultar mais explícita da resolução do Conselho de Ministros”.

Planos rejeitados

O tema da adesão das famílias tem vindo a ganhar mais relevância, pelo facto de haver já vários tribunais no país que estão a rejeitar os pedidos feitos por pessoas singulares, por considerarem que só as empresas devem recorrer ao PER – embora a lei não distinga o tipo de devedor. Desde que foi criada, em Maio de 2012, esta alternativa à insolvência foi usada por 3919 particulares. Um número até superior ao das empresas (3858).

De início, foram poucas as famílias a aderir, o que parecia encontrar justificação no desconhecimento que ainda existia sobre este mecanismo. Mas, cerca de ano e meio depois, os particulares ultrapassaram as empresas e a adesão disparou, chegando a haver mais de 150 novos casos por mês a dar entrada nos tribunais. Um dos efeitos imediatos foi a queda das insolvências de pessoas singulares, que encontraram no PER uma solução mais adequada.

No final do ano passado, porém, o número de processos de revitalização requeridos por famílias começou a cair pela primeira vez. A tendência agravou-se este ano, tendo-se chegado a Agosto com apenas 42 – o registo mais baixo desde Setembro de 2013. A queda tem sido associada às recusas dos tribunais, que começaram a alastrar-me a partir de meados do ano passado, na sequência de um acórdão do Tribunal da Relação de Évora.

Alguns juízes consideram que as famílias não podem ser recuperadas financeiramente, mas antes reencaminhadas para os planos de pagamento – um mecanismo que implica a abertura de um processo de insolvência e que, além de demorar mais tempo, exige um quórum mais alargado de credores e não suspende as execuções.

Os administradores judiciais, que são nomeados para acompanhar os PER e as insolvências, criticam a posição dos tribunais. “Discordamos em absoluto da não aplicação do PER às famílias”, referiu, com base na resolução do Conselho de Ministros,  o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Judiciais (APAJ), que já fez chegar cartas a pedir explicações à ministra da Justiça, à Direcção-Geral de Política de Justiça, à Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça (CAAJ) e também ao presidente da Estrutura de Missão para a Capitalização de Empresas.

Críticas às medidas

Um dos temas que a APAJ também quer ver discutidos, que já levou ontem a uma reunião na CAAJ e que levará a um encontro com o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça no dia 13, é o das novas exigências para iniciar um PER. Relembrando que o anterior Governo PSD/CDS fez alterações legislativas mas para diminuir o quórum necessário à aprovação destes planos, a APAJ considera que “com a aplicação da resolução teremos menos empresas a recorrer ao PER e mais empresas a recorrer à insolvência”.

Inácio Peres explicou que “a exigência de subscrição de 10% dos créditos não subordinados não constituirá um entrave suficiente, uma vez que é fácil” atingir esta fasquia. Por outro lado, no que se refere à certificação que passará a ser exigida, “entramos no campo da discricionariedade porque haverá, seguramente, divergências sobre o conceito de insolvência”.

Há outra medida na resolução que merece fortes críticas: o Governo quer acabar com a nomeação equitativa destes administradores judiciais, depois de, ao fim de mais de uma década de promessas, se ter conseguido lançar no ano passado uma plataforma que reparte os processos pela classe e evita desigualdades. Nos casos em que a distribuição dos processos seja efectuada por via aleatória, pretende-se “eliminar o imperativo de distribuição equitativa”, refere a resolução. A APAJ aplaude o facto de o executivo ter deixado cair uma proposta da estrutura de missão, que recomendava o aumento do número de profissionais.

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