“Neste momento, o problema em Espanha chama-se vontade política”

Líder do PSOE acredita que vai conseguir coligação de governo, mas só será candidato à investidura com apoios suficientes, ou seja, Podemos e Cidadãos garantidos. Catalunha abre delegação em Lisboa para reforçar relações com Portugal.

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Romeva e Ramón Font, o delegado da Catalunha em Lisboa, na nova representação Rui Gaudêncio

A “vocação da Catalunha é construir, nós estamos sempre dispostos a dialogar e a negociar tudo; a partir daí, é Madrid que decide”, diz Raül Romeva, conselheiro de Assuntos Externos, Relações Institucionais e Transparência da generalitat, o governo da comunidade autonómica. Romeva veio a Lisboa esta segunda-feira inaugurar a delegação da Catalunha em Portugal, a sétima na Europa e a oitava de toda a rede de representação externa catalã, “uma porta aberta” para “as relações da Catalunha com o mundo, directas e cordiais”.

Portugal é o país onde há mais empresas catalãs e, “do ponto de vista comercial, é o quarto país para onde a Catalunha mais exporta”, afirmou Romeva, ao lado do jornalista Ramón Font, o delegado catalão, que assume a liderança de uma representação há muito planeada e desejada (adiada por “questões burocráticas, irrelevantes”), com sede na Avenida da Liberdade, em Lisboa.

“Este é um dia especial, importante. É um dia bom”, sublinhou o político que trocou o seu partido, a Iniciativa per Catalunya Verdes, e dez anos como eurodeputado em Bruxelas, pelo independentismo e a liderança da candidatura da coligação Juntos pelo Sim, nas eleições catalãs de Setembro de 2015. As relações da Catalunha com Portugal não são apenas económicas e comerciais, são turismo, sociais, culturais “e são históricas”. São, por isso mesmo, “uma prioridade”.

Oficialmente, Lisboa diz só ter relações com o Governo de Madrid, mas “a relação com o cônsul de Portugal em Barcelona é excelente, temos há muito tempo vínculos estabelecidos” e “as relações com as instituições são boas a todos os níveis”. Aliás, a generalitat já organizou várias iniciativas que trouxeram até Lisboa o debate sobre o independentismo, desde visitas de membros do executivo a debates sobre o tema em universidades públicas.

Lisboa segue-se a Londres, Paris, Bruxelas, Roma, Viena, Berlim e Washington na rede diplomática que os catalães começaram a construir por ambição e imperativo. “É uma obrigação legal decorrente do Estatuto da Catalunha” em vigor, precisa Romeva. Aqui, como no resto do mundo, a representação diplomática faz-se de um delegado e de dois técnicos, uma equipa curta como faz sentido, na lógica “de austeridade” que corresponde a toda a rede externa. Se a globalização obriga os “actores com vocação internacional a terem uma presença física no mundo” esta não tem de ser pesada.

“No quadro da União Europeia existem relações que são intergovernamentais entre os estados, o que não é incompatível com o objetivo da Catalunha independente, de forma democrática pacifica e limpa do ponto de vista jurídico”, diz Romeva. "Que a Catalunha quer ser um estado é algo que todos conhecem, não é segredo. A Catalunha está a viver um momento importante de transição com um mandato democrático muito claro. Há uma vontade de, se as maiorias democráticas o quiserem, ser um futuro estado". Tendo isso em conta, claro que esta delegação poderá ser o embrião de uma futura embaixada.

Semana da Diada

Calha que a abertura da delegação tenha coincidido com a semana da Diada, que se celebra a 11 de Setembro, o dia da derrota e da integração definitiva em Espanha, em 1714. Foi em 2012, sem grande anúncio, que a Diada se transformou em algo mais, pretexto para uma gigantesca manifestação sob o lema "Catalunha, o novo Estado da Europa". Inédita não foi só a dimensão da multidão - dois milhões de pessoas - mas também a sua representatividade, com membros de quase todos os partidos.

O caminho, desde então, tem-se feito de sondagens, referendos que afinal são consultas não vinculativas simbólicas mas mesmo assim ilegais para Madrid e para a Justiça, eleições antecipadas e declarações de independência feitas pelos deputados catalães e prontamente anuladas. O caminho também se tem feito de becos sem saída, com Mariano Rajoy e o Partido Popular, no poder, a recusar estender braço ou mão para se encontrar a meio caminho com os líderes catalães.

Calhou que a delegação de Lisboa abrisse portas quando Espanha está sem governo desde Dezembro, duas eleições legislativas depois e a possibilidade de umas terceiras, um ano depois das primeiras, cada vez mais real.

O líder da direita, e candidato mais votado, Rajoy, nem tentou ser investido pelo Congresso à primeira, sem apoios para alcançar a maioria absoluta (obrigatória à primeira votação dos deputados) ou simples (à segunda já chega). Foi Pedro Sánchez, líder dos socialistas espanhóis que o fez, então, e falhou. A semana passada acabou por ser Rajoy a ver a sua proposta de coligação com a direita moderada (que se diz centrista) do Cidadãos chumbada.

Cidadãos e Podemos

“Esta situação prejudica a vida dos catalães, dos espanhóis, dos europeus. Uma situação de não governo não beneficia nada nem ninguém, ainda mais num país como Espanha que enfrenta tantas dificuldades. E é uma situação que é possível resolver”, defende Romeva. “Se há possibilidade de o resolver e não se resolve, significa que não há vontade. E creio que, neste momento, o problema em Espanha se chama vontade política”, acusa, numa possível referência a recusa de Rajoy abandonar a liderança do PP e a candidatura à presidência do Governo. Sabe-se que qualquer acordo seria muito mais fácil sem Rajoy.

Romeva insiste que as dificuldades para negociar um governo nacional são estranha aos catalães, acontecem para lá deles e independentemente da Catalunha. Mesmo se é sabido que um dos pontos de discórdia a impedir um possível entendimento entre o PSOE e a esquerda do Podemos será sempre a exigência da realização de um referendo soberanista catalão feita pelo partido de Pablo Iglesias (contra a independência mas a favor da consulta).

Cabe agora a Sánchez tentar o aparentemente impossível: incluir Podemos e Cidadãos num acordo que lhe garanta a maioria no Congresso. “Os dois novos partidos que entraram na política têm de falar um com o outro. Ou vieram para bloquear a política?”, lançou esta segunda-feira, depois da reunião do comité federal do PSOE, que lhe deu mandato para fazer “uma ronda com todos os partidos para encontrar uma solução”. Para já, certo é que Sánchez continua a insistir que o PP não contará com a abstenção socialista para continuar no poder e que só se apresenta aos deputados quando e se tiver “os apoios necessários”. Sobre a Catalunha se falará durante essas rondas.

 

 

 

 

 

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