O euro já não é um trunfo, é um obstáculo

O euro é uma moeda sobrevalorizada, que constitui um poderoso obstáculo ao desenvolvimento e contribui para a desindustrialização.

Ao cabo de oito anos de crise económica e financeira, aumentou consideravelmente o número de cidadãos que hoje considera o euro um “obstáculo” e já não um “trunfo”. As opiniões a favor do euro degradam-se a olhos vistos em vários países da União Europeia e também aumenta a percentagem dos que consideram que a pertença à União Europeia é prejudicial. Todavia, os poderes instituídos fogem a qualquer debate público sobre o euro, dizendo que o pior da crise já passou. Mas aumenta o descontentamento em relação à União Europeia em largos sectores da classe média, do operariado, dos assalariados, dos reformados e, naturalmente, dos desempregados. Mesmo entre os eurófilos constatam-se mudanças que têm vindo a engrossar as fileiras dos eurocépticos e é cada vez mais evidente que o “sonho europeu” está a transformar-se num “pesadelo”.

Em muitos países da União Europeia, os principais partidos políticos que alternam no poder fogem do debate como o diabo da cruz. E os principais órgãos de comunicação social, cada vez mais conformistas, dogmáticos e situacionistas, seguem-lhes os passos. Para as elites políticas europeias, tal como para os grandes potentados económicos e financeiros, o euro transformou-se no tabu dos tabus. O que, naturalmente, só contribui para alimentar a desconfiança dos cidadãos em relação à moeda única. Ou seja, a recusa do debate tem um efeito contraproducente, dando argumentos, em vários países, aos movimentos nacionalistas de extrema-direita, cuja popularidade as elites no poder dizem temer e por isso não se atrevem a encetar o debate. Uma pescadinha de rabo na boca...

É uma evidência que o euro é uma moeda sobrevalorizada, que constitui um poderoso obstáculo ao desenvolvimento e contribui para a desindustrialização. É, claramente, uma moeda inadaptada e condenada. Impressiona a cegueira colectiva dos poderes políticos, económicos e financeiros que se recusam a reconhecê-lo e a encetar qualquer debate público. Todavia, já são muitos os economistas e activistas políticos que debatem a fundo o euro, na sociedade e nas redes sociais. Nunca mais me esqueci da triste figura que fez António Guterres quando, regozijando-se beatificamente com a criação do euro, ergueu os olhos ao céu e proclamou, num acto de autêntica devoção religiosa: “Tu és euro!”. Como se tivesse acabado de nascer mais um menino Jesus nas “palhinhas” de Bruxelas.

O euro tornou-se um dogma, uma crença, uma espécie de religião, sobretudo para todos quantos fizeram as suas carreiras políticas à custa da adesão ao euro – enganando-se e enganando populações inteiras. Todos esses não estão agora minimamente dispostos a reconhecer em público o monstruoso erro que cometeram. E é precisamente por isso que uma geração inteira de responsáveis políticos, tanto do centro-direita como do centro-esquerda, insistem em convencer-nos de que é preciso salvar o euro, como se se tratasse de uma saga do estilo “o resgate do soldado Ryan”. Curiosamente, o seu argumentário levou uma grande volta. Já não se trata de defender o euro como “trunfo” para o futuro, mas sim de proclamar que, se sairmos do euro, espera-nos uma catástrofe, uma inflação apocalíptica, a hecatombe do poder de compra, a guerra, a morte, o diabo a quatro…

E, no entanto, quase todos temos consciência de que não é possível gerir adequadamente um país sem poder recorrer à alavanca de uma moeda própria. É verdade, porém, que os obstáculos a um debate generalizado, público e institucional sobre o tema são imensos. Não apenas as grandes empresas e corporações multinacionais, mas também a banca – que está na origem e no centro desta terrível crise que já dura há oito anos – não têm o menor interesse em que esse debate se faça e infelizmente têm peso “político” bastante para o abafar. Porque, se desabar o euro (o que há de suceder mais tarde ou mais cedo), passará a ser questionada a União Europeia, assente como está, desde 1957, numa rede de sucessivos tratados (Roma 1957, Acto Único 1986, Maastricht 1992, Amesterdão 1997, Nice 2001 e Lisboa 2009) todos eles fundamentalmente impregnados pelo ultraliberalismo económico imposto pelas elites políticas e pelos grandes potentados industriais e financeiros. E ninguém duvide de quais têm sido as inclinações quer do centro-direita quer do centro-esquerda: ambos se têm curvado sempre perante as directivas, as injunções, os diktats de Bruxelas (e de Berlim). Daí que haja quem reclame a revisão dos tratados europeus, nomeadamente, a revisão das atribuições e do estatuto do Banco Central Europeu (BCE), e pense que, entre as formas de pressão sobre União Europeia, avultam a desobediência selectiva às suas directivas e o abandono negociado da Eurozona. O que, para ser sincero, não me espanta nem me escandaliza.

Cronista

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