Vagas para formação de jovens médicos duplicaram em menos de uma década

Já há hospitais que têm tantos internos como especialistas, diz bastonário da Ordem dos Médicos que avisa que a qualidade da formação fica posta em causa

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Ordem alerta que os médicos internos ficam assim sem “colegas mais velhos para os orientar” Fernando Veludo/nFactos

As vagas para os recém-licenciados em medicina que vão entrar em 2017 no internato do ano comum (para fazer a formação geral) mais do que duplicaram em menos de uma década, passando de 1085, em 2008,  para 2414, no concurso deste ano, segundo o aviso esta quarta-feira publicado em Diário da República. É o maior número de sempre de vagas disponibilizado no concurso de ingresso no ano comum e está a preocupar os responsáveis da Ordem dos Médicos (OM) que avisam que alguns destes jovens não terão vaga para fazer a formação de especialidade, acabando por ficar a trabalhar como uma espécie de médicos indiferenciados. Mas o pior, defendem, é que, com tantos internos nos serviços, a qualidade da formação médica fica posta em causa.

“As instituições estão saturadas de internos. Já há hospitais que têm um interno por cada especialista. A formação é deficiente, eles não têm colegas mais velhos para os orientar”, critica o bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, que avisa que não vai ser possível aumentar as vagas para a formação na especialidade na mesma proporção e que, por isso, haverá médicos que não poderão especializar-se, como já aconteceu nos últimos dois anos.

Depois de completarem o ano comum, os jovens médicos seguem para a formação específica, escolhendo uma especialidade que demora entre quatro a seis anos a concluir. O bastonário da OM defende que a medicina sem especialidade, que recusa classificar como indiferenciada, é “uma via sem futuro”, apesar de profissionais terem autonomia para exercer.

Maior parte das vagas no Norte e em Lisboa

Os novos médicos vão ser distribuídos pelos hospitais do Serviço Nacional de Saúde em 2017, sendo a maior parte das vagas para hospitais da região Norte (862) e de Lisboa e Vale do Tejo (822). O Centro receberá 426, o Alentejo 103 e o Algarve 100. Os Açores contam com 66 vagas e a Madeira com 35. O número de vagas é definido de acordo com o total de alunos de medicina que acabaram o curso em Portugal somado com as solicitações de estudantes portugueses e estrangeiros que se formaram fora do país.

"Este ano vamos atingir o auge" do número de médicos que entram para o internato do ano comum, enfatiza Edson Oliveira, presidente do Conselho Nacional do Médico Interno, que calcula que vão entrar os "quase 1900" médicos que desde 2010 estão a ser formados, por ano, nas faculdades de medicina em Portugal, sendo os restantes provenientes do estrangeiro.

Para Carlos Cortes, coordenador do Conselho Nacional de Pós-Graduação e presidente da secção regional do Centro da OM, este é um acto “de irresponsabilidade e pura demagogia” do Ministério da Saúde, porque "não há capacidade para formar tantos médicos" e porque, no final do ano comum, não terão todos vaga para fazer a formação na especialidade.  

É à Ordem dos Médicos que compete definir as idoneidades formativas das unidades de saúde e, portanto, o número de vagas para especialidade e vários responsáveis têm vindo a questionar o facto de estas serem limitadas e não chegarem para todos. O ministro da Saúde chegou a anunciar no Parlamento que ia avançar com uma auditoria à forma como estas vagas são definidas pela OM, mas não são conhecidos resultados desta investigação.

"Ponto de ruptura"

"Já chegamos a um ponto de ruptura, um número destes é incomportável. O Ministério vai usar este número para dizer que há mais 2414 médicos no SNS, mas muitos, no final do ano comum, vão ter que sair para o sector privado ou emigrar", acentua Carlos Cortes, para quem a OM "vai ter também que começar a preocupaçar-se com a avaliação da qualidade da formação".

Sublinhando que neste momento há 12 mil estudantes de Medicina e oito mil internos em formação, o presidente da OM/Centro defende que vai ser "muito difícil aconchegar toda a gente no mapa de vagas até porque tem havido uma acumulação" ao longo dos últimos anos. "Os serviços estão cheios de internos. Não podemos empurrar os médicos tipo salsichas para a mesma lata só para parecer bem", afirma.

"O Ministério da Saúde vai ter que rever uma série de coisas em relação ao ano comum, se não isto vai tornar-se insustentável", corrobora André Fernandes, presidente da Associação Nacional de Estudantes de Medicina.

O prazo de inscrição no concurso de ingresso no internato médico decorre de 1 a 21 de Setembro.

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