Caixa obriga Centeno a rever contas deste ano

Recapitalização da CGD deverá acontecer ainda este ano e obrigar a um rectificativo. Reestruturação implica saída de trabalhadores por rescisões por mútuo acordo e para reforma antecipada.

Foto

As contas da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos não terminam com o anúncio desta quarta-feira do Governo e da Comissão Europeia de que chegaram a um acordo para a injecção directa de 2,7 mil milhões de euros e que pode chegar a 4,166 mil milhões de euros de esforço público, mais uma emissão de dívida subordinada. Com o investimento que vai ser necessário fazer, o Governo prevê uma rectificação do Orçamento do Estado (OE) para 2016, uma opção que havia sido posta de parte tanto por Mário Centeno, em Abril, como por António Costa, em Junho. Quanto à injecção de capital, ela não deverá, porém, aumentar a dívida deste ano e as Finanças têm a expectativa de poderem desviar dinheiro dos pagamentos antecipados ao Fundo Monetário Internacional.

O anúncio foi feito nesta quarta-feira pelo ministro das Finanças, Mário Centeno: “É verdade que a concretizar-se o aumento de capital [este ano], vai ser necessário um orçamento rectificativo”, disse. Contudo, para acontecer, vai depender da nova administração da Caixa Geral de Depósitos, presidida por António Domingues que toma posse plena de funções no final do mês. “O trabalho será feito de imediato e nós temos alguma expectativa de que seja feito ainda este ano”, disse.

Em causa está um orçamento rectificativo que autorize o Governo a injectar dinheiro (os tais 2,7 mil milhões de euros) numa empresa fora do perímetro orçamental. Mas essa correcção do OE não deverá ser feita através da revisão em alta dos tectos fixados para o endividamento do Estado, uma vez que o Governo acredita que os limites não serão ultrapassados, tendo em conta o valor a reembolsar ao FMI este ano e as actuais disponibilidades de tesouraria.

O que estará em causa é uma autorização a conceder ao Estado para injectar dinheiro numa empresa pública, sendo que, apesar de a CGD não contar para o défice e para a dívida, a sua holding está incluída no perímetro das empresas públicas reclassificadas (uma categoria que tem de ser considerada nas contas públicas). Também deverá ser necessário alterar os valores previstos no OE para injecções de capital no Sector Empresarial do Estado, no valor a transferir para o banco público.

Nesta quarta-feira, Centeno assegurou que esta operação não terá efeitos no défice público. Ou pelo menos assim espera. “A Comissão Europeia aprovou como sendo em condições de mercado ou seja que não há ajuda de Estado e que essa é uma condição necessária para que não haja reflexo no défice. O objectivo é que esse resultado final seja atingido e tudo indica que assim seja”, disse aos jornalistas.

No entanto, há passos que é preciso dar antes de a recapitalização ser cumprida. Um deles implica que a Caixa Geral de Depósitos tenha de contratar uma auditoria externa às suas contas, que foi, aliás, anunciada pelo Governo em Junho e que as Finanças esperam estar concluída até ao final do ano.

Esquerda cautelosa

Depois de realizada a auditoria e de fixado o valor final (poderá haver pequenos acertos), o Governo precisa de fazer passar o orçamento rectificativo, que permita a injecção de capital na Caixa Geral de Depósitos. Precisará, para isso, do apoio da esquerda parlamentar e para o conseguir, terá de garantir que não há nem despedimentos no banco público nem encerramento em massa de balcões e, mais do que isso, que a Caixa permanece 100% pública.

Ora foi por este ponto que o ministro das Finanças começou a dar a garantia de que, apesar de haver emissão de dívida junto de investidores privados, esta “não será convertível em acções da Caixa, mantendo-se assim como 100% pública”. Centeno congratulou-se com a aprovação do plano que, disse, “nunca voltou para trás e foi feito à primeira”. Contudo, os detalhes do plano ficarão para mais tarde, para quando a nova administração tomar posse.

Para já, o ministro diz que o banco público vai fazer uma reestruturação que passa por acelerar a disponibilização de “tecnologia e de digitalização”, não falando do provável encerramento de balcões (sobretudo no exterior) da CGD.

No que toca aos trabalhadores, Centeno elogiou-os para em seguida dizer que a reestruturação da Caixa se fará, no caso dos recursos humanos, com saídas antecipadas para a reforma e através de rescisões por mútuo acordo, sem especificar a meta estabelecida para a redução de trabalhadores no total.

Ainda neste capítulo, as Finanças garantem que vão “legislar no sentido de eliminar as restrições salariais e de gestão de carreiras dos colaboradores da CGD”.

Este é um ponto sensível à esquerda, mas para já, contactados pelo PÚBLICO, o PCP e o BE, que viabilizaram o Orçamento do Estado para 2016, preferiram não comentar a quente o programa anunciado por Centeno e a possibilidade de um rectificativo. A reacção foi adiada para esta quinta-feira.

Dívida para privados

Além da injecção directa de capital pelo Estado, o banco público vai ainda emitir dívida subordinada no valor de mil milhões de euros para, disse Mário Centeno, que continue a cumprir os rácios mais apertados exigidos pelo Banco Central Europeu. Dessa dívida, não convertível em acções, a maior parcela será destinada a investidores institucionais, mas os particulares não serão excluídos da operação. Será o regulador do mercado de capitais, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, a definir o perfil de risco, dentro das suas competências.

A primeira parcela de 500 milhões será emitida ainda este ano e a restante durante os próximos 18 meses. Na conferência de imprensa, o ministro das Finanças esclareceu apenas que a esta emissão não poderão aderir entidades com ligações ao Estado português.

No envelope total entram ainda “960 milhões de euros de instrumentos de capital contingentes também designados (CoCo’s) subscritos anteriormente pelo Estado”.

Lei na gaveta

Além da recapitalização do banco, o Governo negoceia com o Banco Central Europeu (BCE) o novo modelo de governação. E aqui os números ainda não estão fechados. A primeira proposta era a de um conselho de administração com 19 membros (sete executivos e 12 não executivos), dos quais oito não executivos não foram aceites por esbarrarem na lei nacional. O Governo quer agora que o conselho de administração fique composto por um “número superior a 15 que poderá ser de 17”, disse o ministro.

Centeno continua a dizer que saiu vitorioso da negociação inicial ao conseguir que o conselho de administração seja “por uma maioria de membros não executivos com reconhecida experiência empresarial e no sector, assim como numa perspectiva internacional, por forma a garantir um mecanismo de freios e contrapesos nos órgãos de gestão”.

O Governo terá contudo dificuldade em encontrar os novos seis administradores não executivos que quer nomear uma vez que o Executivo insiste na necessidade de nomear gestores com ligação a empresas e a lei bancária impede a acumulação de funções em várias sociedades. Era esta a lei que o secretário de Estado das Finanças, Ricardo Mourinho Félix disse que queria mudar, mas que vai ficar na gaveta. O Governo fez marcha-atrás na intenção da alteração legislativa uma vez que, admitiu o ministro, “o processo legislativo envolve vários órgãos de soberania. Neste momento não está em cima da mesa”, respondeu aos jornalistas. Com Raquel Almeida Correia e Pedro Crisóstomo

Sugerir correcção
Ler 9 comentários