Juiz do Texas trava directiva de Obama a favor de alunos transgénero

Reed O'Connor considera que a lei existente fala apenas nas "diferenças biológicas e anatómicas determinadas à nascença". Caso deverá acabar no Supremo Tribunal.

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O início da polémica ficou marcado pelo uso das casas de banho nas escolas públicas Mark Ralston/AFP

Um juiz do estado do Texas voltou a pôr a zeros a discussão sobre os direitos das pessoas transgénero nos Estados Unidos, que está a ser marcada, em grande parte, pela polémica sobre o uso de casas de banho e balneários em escolas públicas.

Em Maio, a Administração Obama enviou uma directiva a todas as escolas com o objectivo de esclarecer as dúvidas dos seus responsáveis: segundo o Departamento de Educação e o Departamento de Justiça, uma pessoa que se identifique com um género diferente daquele com que foi registado à nascença tem direito a usar os espaços reservados às pessoas do género com o qual se identifica.

Por outras palavras, e segundo a directiva da Administração Obama, um aluno registado à nascença como sendo do sexo masculino, mas que foi percebendo ao longo da vida que a sua verdadeira identidade de género é a feminina, deve poder usar as casas de banho e os balneários reservados a raparigas.

A directiva enviada em Maio é muito mais abrangente (determina, por exemplo, que as pessoas transgénero devem passar a ser tratadas nas escolas por "ele" ou "ela" a partir do momento em que manifestem essa vontade), mas o início da polémica está ligada directamente ao uso das casas de banho – a directiva da Casa Branca foi emitida depois de o estado da Carolina do Norte ter aprovado uma lei que obriga as pessoas a usarem as casas de banho públicas de acordo com o sexo com que foram registadas à nascença.

O que o juiz federal Reed O'Connor veio dizer esta semana (no momento em que os alunos de todo o país regressam às aulas depois das férias de Verão) é que a lei existente sobre discriminação com base no género não pode ser aplicada aos transgénero – uma decisão que suspende a directiva de Barack Obama e que pode marcar o início de uma batalha que só terminará no Supremo Tribunal.

A lei em causa foi aprovada pelo Congresso norte-americano em 1972, e num dos seus artigos (o Title IX) é afirmado que "nenhuma pessoa nos Estados Unidos será excluída de participar em programas educacionais ou outras actividades que recebam assistência financeira federal, nem lhe serão negados esses benefícios, nem serão sujeitas a discriminação com base no seu sexo".

Para a Administração Obama e para as organizações de defesa dos direitos LGBT, a lei de 1972 é válida também para as pessoas transgénero; mas para o Texas e outros 12 estados, a lei só diz respeito ao sexo que foi atribuído no registo – uma interpretação que o juiz Reed O'Connor validou esta semana.

"Não pode ser discutido que o significado do termo sexo refere-se às diferenças biológicas e anatómicas determinadas à nascença entre alunos masculinos e femininos", escreveu o juiz, que foi nomeado pelo ex-Presidente George W. Bush em 2007.

Para além da discussão sobre os termos da lei – e por causa dela –, o juiz considerou também que o Governo federal não se limitou a emitir uma "interpretação", mas sim a decretar "regras legislativas", o que está fora dos seus poderes. Na sua decisão, o juiz deu razão aos queixosos, que acusaram a Administração Obama de abusar dos seus poderes ao sugerir um corte no financiamento federal das escolas que se recusassem a cumprir a directiva.

A maior organização norte-americana de defesa dos direitos da comunidade LGBT, a Human Rights Campaign, considerou que a decisão do juiz "deixa milhares de alunos transgénero ainda em maior risco de marginalização, de perseguição e de discriminação no momento em que regressam à escola", disse a responsável pelos assuntos jurídicos, Sarah Warbelow. "Todos os alunos, independentemente da sua identidade de género, merecem receber instrução num ambiente sem discriminação."

A decisão do juiz Reed O'Connor deverá ser contestada pela Administração Obama e por várias organizações, e poderá mesmo fazer o seu trajecto até ao Supremo Tribunal, como aconteceu com os casos do casamento entre pessoas do mesmo sexo ou a liberdade de escolha no aborto. Com a morte do juiz Antonin Scalia, em Fevereiro, o Supremo tem neste momento apenas oito juízes (quatro considerados conservadores e quatro considerados progressistas). Barack Obama já nomeu o juiz Merrick Garland para substituir Antonin Scalia, mas essa nomeação tem de ser aprovada no Senado, onde o Partido Republicano está em maioria – os republicanos dizem que só o próximo Presidente (Hillary Clinton ou Donald Trump) tem legitimidade para nomear um novo juiz e recusam-se a ouvir o juiz Merrick Garland.

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