“É legal utilizar utentes de um lar em tarefas regulares sem remuneração?”

Segurança Social diz que Instituto Monsenhor Airosa foi alvo de uma acção inspectiva em 2010 e de várias acções de acompanhamento desde então e só se deu conta de uso pontual de deficientes, numa perspectiva de ocupação.

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O Instituto Monsenhor Airosa foi alvo de uma acção inspectiva em Janeiro de 2010 Paulo Pimenta

A denúncia chegou ao líder parlamentar do Bloco de Esquerda (BE): utentes do Instituto Monsenhor Airosa, em Braga, “instadas a trabalhar regular e gratuitamente”. Pedro Soares questionou o Governo: "É legal a utilização de utentes em tarefas regulares, que configuram um posto de trabalho, sem remuneração?”

No documento, entregue a 13 de Julho na Assembleia da República, o deputado eleito pelo circuito de Aveiro pergunta: “Que garantias tem o Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social sobre a boa aplicação dos fundos públicos e da rigorosa observância da legalidade no tratamento das utentes? Que medidas já foram tomadas, nomeadamente pelo Centro Distrital de Segurança Social de Braga, para assegurar que as utentes não são exploradas e que os seus direitos são observados e garantidos pela instituição que tem a obrigação de as proteger?”

O Instituto Monsenhor Airosa foi alvo de uma acção inspectiva em Janeiro de 2010. Havia “algumas lacunas e imprecisões relativamente ao regulamento interno” dos vários lares, mas “essas questões foram ultrapassadas”, adiantou ao PÚBLICO o gabinete do ministro José António Vieira da Silva. Desde então, o Centro Distrital de Braga desenvolveu várias “acções de acompanhamento técnico, para avaliação do funcionamento das respostas sociais”, a última das quais no ano passado.

No email enviado ao PÚBLICO, o ministério confirma que “não é legal a colocação de utentes, que integram respostas sociais, a desempenhar tarefas e/ou funções que não se enquadrem nas actividades sócio culturais, pedagógicas e/ou educativas, devidamente enquadradas na prossecução dos objectivos definidos para a respectiva resposta social”. E esclarece que, ao que sabe o Centro Distrital, só “pontualmente, os utentes do lar residencial, numa perspectiva de ocupação, colaboram em pequenas tarefas”.  

“É uma zona nebulosa”, comenta Paula Campos Pinto, responsável pelo Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, sediado no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. A ocupação fica ao critério da entidade que gere o lar residencial – muitas vezes uma instituição particular de solidariedade social, uma misericórdia ou uma mutualidade.

“Não conheço este caso concreto, mas, à partida, há a possibilidade de uma pessoa que está num lar residencial poder colaborar em algumas tarefas”, comenta. Não lhe parece que possa falar-se em exploração laboral se acontecer com peso e medida, envolvendo a pessoa na escolha da tarefa, respeitando a sua vontade, a sua preparação, o seu gosto. “Sabemos que, nalguns casos, há exploração”, alude. “Acontece haver alguém que se aproveita da validade do trabalho da pessoa com deficiência, da riqueza que produz, sem benefícios para a pessoa em causa. Acho que estas situações devem ser acompanhadas, fiscalizadas, pelas famílias e pela segurança social”, diz ainda. “Tem de haver transparência no que é feito, no que é proposto.”

A legislação só determina que os lares residenciais para pessoas com deficiência e incapacidade devem “contribuir para o bem-estar e melhoria da qualidade de vida dos residentes; promover estratégias de reforço da autonomia pessoal e da capacidade para a organização das actividades da vida diária; facilitar a integração em outras estruturas, serviços ou estabelecimentos mais adequados ao projecto de vida; promover a interacção com a família e a comunidade”.

Muitas das entidades que gerem lares residenciais têm também centro de actividade ocupacionais, indica José Reis, presidente da Confederação Nacional de Organizações de Deficientes. E esses centros têm por função desenvolver as chamadas actividades socialmente úteis, pensadas para facilitar a transição para programas de integração socioprofissional, e as actividades meramente ocupacionais, que visam apenas “manter a pessoa activa e interessada”.

Para José Reis, é evidente que quem tem capacidade para desenvolver uma actividade e o faz deve receber por isso. Por lei, os centros de actividades ocupacionais podem atribuir compensação monetária. Essa recompensa “é calculada em função da natureza das actividades ou tarefas exercidas, não podendo exceder o valor correspondente ao da pensão social”, isto é, 167,69 euros. Se o trabalho que fizerem não for eficaz, as instituições “podem atribuir aos utentes uma compensação monetária não superior a dez por cento do valor da pensão social”, isto é, 16,76 euros. Não será muito, mas parece-lhe diferente de trabalhar de graça.

“Muitas pessoas – porque as famílias não existem ou não conseguem tomar conta delas – acabaram por ir para estes depósitos”, lamenta Ana Luísa Sezudo, presidente da Associação Portuguesa de Deficientes. Refere-se aos lares residenciais e aos centros de actividades ocupacionais. “Terminado o ensino obrigatório, não há outras respostas para as famílias”, prossegue. Houvesse a formação necessária e o apoio adequado, mais seriam capazes de abraçar um modo de vida autónomo. “E há quem se aproveite destas pessoas para tarefas que até têm capacidade para fazer. Elas contribuem, mas nada recebem em troca”, lastima ainda. 

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